O Simplex 2007 está aí e agora aplica-se à compra e venda (e outros negócios, suponho) de imóveis. Também aqui se vão aplicar as regras da suposta simplificação administrativa e os negócios jurídicos referentes a imóveis vão passar a fazer-se apenas na Conservatória do Registo Predial, dispensando a intervenção dos notários. (É o fim da existência das escrituras públicas, uma vez que tudo passa a ser feito por documento particular sujeito a registo - e depósito, suponho!)
Mais uma vez o que se passa é a dispensa de um duplo controlo da legalidade, optando por deixar essa tarefa às Conservatórias. Até aqui tudo bem, acho que, de facto, num Estado que funcione bem, não são necessárias duas entidades a fazerem o mesmo trabalho. Uma chega.
Porém há aqui duas questões, uma a juzante e outra a montante que não podem ser ignoradas.
Primeira questão: o notariado foi privatizado ainda nem há 5 anos e nesse processo foram criadas legítimas expectativas àqueles que investiram em licenças, em instalações, em logística, em tudo o que é necessário para pôr um cartório a funcionar. Esse investimento que foi feito, naturalmente, com base em expectativas de negócio que, com a simplificação, caem por terra. Pois se tudo o que são actos societários deixaram de precisar da intervenção dos notários e se agora também o predial deixa de precisar dessa mesma intervenção, de que vão viver os cartórios? De procurações e reconhecimento de assinaturas? Pois bem, este não é um problema teórico. É bem real e basta a Ordem dos Notários querer e pode pôr um processo ao Estado por violação das legítimas expectativas o que pode levar, em última análise, à obrigação de indemnizar os lesados! Mais, esta é uma questão de continuidade das políticas de Estado e de respeito pelos direitos adquiridos e pelas expectativas criadas por esse mesmo Estado. Não se pode privatizar primeiro para depois acabar com o notariado! É por isso que muitas vezes se fala em pacto para a justiça que mais não é do que pedir que haja alguma continuidade de políticas apesar da mudança de Governos!
Segunda questão: as conservatórias do registo, até aqui, tinham um papel mais de publicidade do que de controlo da legalidade (esse era feito pelos notários). Daí não se poder falar, na verdade, em duplo controlo de legalidade. A fé pública e a eficácia de uma escritura, ou de qualquer documento autêntico, não advém do facto de ser registada (daí advém a sua publicidade perante terceiros). Desta diferença de funções advinha uma diferente preparação, sendo que a formação específica recebida pelos notários não será igual à dos conservadores. Portanto, a pergunta que urge fazer é a de saber se estarão os nossos conservadores preparados para actuar sem rede, isto é, aferir a legalidade dos actos que lhes são sujeitos a registo sem uma apreciação prévia por parte de uma autoridade a quem era reconhecida fé pública! Esta é uma pergunta que só na prática poderá ser respondida e que, naturalmente, será diferente consoante as conservatórias. Porém, da minha pequena experiência, devo dizer que não me parece muito boa ideia deixar tudo nas mãos de um conservador. Sobretudo, com a agravante de, com este simplex administrativo, a responsabilidade do advogado disparar completamente uma vez que quem prepara os documentos (e quem assegura agora a sua legalidade) é apenas o advogado que é um profissional liberal, que defende os interesses de um cliente e que por mais que tenha uma função social de aplicação do Direito não é uma autoridade a quem o Estado reconhece a tal fé pública! Mas esta será já uma terceira questão difícil do simplex...
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