sexta-feira, outubro 26, 2012

Todas as cartas de amor são ridículas



“Maria Elena used to say that only unfulfilled love can be romantic” (roubado ao Vicky Cristina Barcelona)

Esta é uma doutrina. A “doutrina Maria Elena”, se quiserem. A mesma Maria Elena que tanto tem de louca, como de genial e que junta ambas as coisas numa explosão temperamental com sotaque latino, naquele filme que, sendo de Woody Allen, traz consigo as cores de Almodovar.

Repetidas vezes dei comigo a pensar nesta doutrina. Mesmo antes de a ouvir da boca incrédula de Juan Antonio, muitas vezes tinha eu própria andado a divagar por estes mesmos caminhos: só os amores impossíveis teriam aquele “q” que os tornaria infinitamente românticos. Talvez porque me recordasse de Carlos e Maria Eduarda. Talvez porque carregasse comigo a trágica memória histórica de Romeu e Julieta. Talvez porque nenhuma das histórias que a Disney me contou me tenha feito, realmente, sentir diferente. Talvez porque esta fosse, afinal, uma história mais fácil.

E durante anos acreditei nesta doutrina. Vivi esta doutrina. Durante anos, senti todo o fascínio e toda a absoluta mística romântica das histórias impossíveis. Pareciam histórias feitas para grandes livros, épicos. Histórias fabulosas do amor que não cede perante a impossibilidade. Muito melhor do que o “e viveram felizes para sempre”, era o peso histórico, cultural e moral do amor que resiste, romântico, à sua própria não concretização. Isso sim seria a derradeira prova de amor. Que tamanha ilusão!

Talvez demore tempo para perceber racionalmente, mais ainda para sentir lá bem fundo, naquele sítio onde não há palavras, nem pensamentos. Mas um dia, com sorte, chegamos lá: só o amor possível é real. Só o amor vivido é, de facto, romântico. Porque o amor é mais do que uma ideia ou de que um conceito. O amor é um mistério insondável. Não se explica. Acontece. Sente-se. Vive-se. E concretiza-se nas mais variadas formas, e são os gestos mais simples de partilha (de amor) que o tornam real. Um sorriso. Um abraço. Umas flores. Um beijo. Uma carta. Uma música. Um filme. Todos os momentos partilhados que constroem uma história a dois e que valem, cada um deles, infinitamente mais do que todas as impossibilidades do mundo, por mais extraordinariamente românticas que sejam (ou que assim tenham sido escritas por autores talentosíssimos).

Só esse amor que sai da esfera das impossibilidades e se torna real em nós e transforma a nossa vida, só esse amor é que enche o coração e aconchega a alma. Só esse amor tem, de facto, o poder de transformar o que antes era deserto, num campo de flores. Só esse amor tem a capacidade de criar laços onde antes não havia nada, de criar sonhos onde antes apenas havia incertezas, de criar esperanças onde antes só havia medo. Só esse amor, porque é real e é possível, é, afinal, o que de mais romântico algum dia poderemos experimentar.

Se o impossível vive da projecção da sua eventual possibilidade no futuro; o possível é possível agora, hoje, no presente. E por isso vale a pena. Por isso será sempre infinitas vezes melhor. Infinitas vezes maior. Infinitas vezes mais real. Infinitas vezes mais romântico. Porque, na verdade, depois de todo o ruído à nossa volta se calar, só o amor é real. E só o amor que é possível, é, de facto, romântico. É, de facto, Amor.

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