sexta-feira, novembro 16, 2012

A dívida

Hoje o Eurodeputado Rui Tavares dá uma interessante entrevista ao Jornal de Negócios (infelizmente não é possível lê-la, integralmente, no site) na qual fala sobre a Europa (o que só por si é de louvar, já que muita falta faz mais discussão europeia) sobre o projecto europeu e sobre os desafios futuros.

Entre várias verdades e algumas considerações ideológicas, Rui Tavares avança com a ideia de que há uma "nova cortina de ferro na Europa", aquela que divide a Europa endividada e a Europa do crescimento. Sendo que a Europa do crescimento, e usando as palavras do entrevistador, é o Norte "protestante, poupado e produtivo", e a Europa endividada, o Sul "presuntivamente negligente, gastador e improdutivo".

Pois bem, é verdade que hoje há, de facto, dentro da Europa e dentro da zona Euro, aqueles que estão endividados e aqueles que estão a ajudar esses a pagar as contas. Daí nascem as tensões e as derivas nacionalistas (basta atentar ao que se passou na Finlândia). De forma pouco rigorosa, podemos falar do Norte que é trabalhador e do Sul que é gastador. A velhinha estória da cigarra e da formiga, sendo que a cigarra tem sol e bom vinho e a formiga tem indústrias e serviços. E, na verdade, se olharmos para os países com "piores números", estes são maioritariamente os países do Sul - Grécia, Espanha, Itália e Portugal. Mas, depois, há a Bélgica (!) que parece padecer de todos os vícios habitualmente apontados aos seus parceiros do Sul: fortemente endividada, com crescimento económico perto da estagnação  e taxas de desemprego altas.

Por isso mesmo, não é com tanta ligeireza que se pode traçar a linha entre Norte e Sul. Se, de facto, formos rigorosos, e olharmos para as Previsões de Outono da Comissão Europeia, veremos que, neste momento, apenas 4 Estados na zona Euro não estão sujeitos a um procedimento do défice excessivo. São eles a Estónia, o Luxemburgo, a Finlândia e a Alemanha. Até a Holanda, sempre tão crítica e tão vocal a propósito das falhas alheias está a braços com um défice de 3,7% e uma dívida que chegará aos 70% do PIB em 2014. É dramático? Claro que não! Dramático seria ter um défice, em 2012, de 6,2% e uma dívida que, em 2014, chegará aos 95,1% do PIB, como é o caso do anglicano, poupado e produtivo Reino Unido.

Quer isto dizer que a Europa está toda ela "sulidificada" e que os maus hábitos dos Estados do Sul se alastraram, qual peste medieval, pela Europa "civilizada"? Talvez. E talvez aqui esteja, efectivamente, a falha do sistema que foi construído. (Rui Tavares fala, e bem, da burocracia e da máquina infernal que é a UE). Um sistema que já se viu não serve os Estados e não serve os Europeus, porque cria regras que ninguém cumpre e não prevê medidas para situações excepcionais (o que ao longo de três dolorosos anos tem sido a história da Grécia é paradigmático). Um sistema que assentou, de facto, na criação de dívida para financiar as economias periféricas e para criar, de forma que hoje se percebe fictícia, um equilíbrio no mercado interno.

E é, precisamente, essa trajectória de endividamento que tem que ser travada. A Europa, sem deixar de ser solidária - longe de mim advogar que se deixe cair a Grécia - tem que pôr termo à espiral de dívida em que caiu. Basta olhar para os números das Previsões de Outono para perceber que o actual nível de endividamento é insustentável. Em 2014, e fazendo fé nos números da Comissão, apenas 4 Estados terão uma dívida inferior a 60% do PIB - Estónia, Luxemburgo, Eslováquia e Finlândia - e 6 Estados estarão para lá do limite dos 100% (Portugal será um deles).Ora, não é preciso ser um génio das finanças públicas para perceber que 100% do PIB em dívida é impossível de gerir. Não é de espantar, por isso, que os Estados estejam estrangulados e as economias em recessão. Porque a verdade mais dura é que estão, tecnicamente, falidos.

E não são as Eurobonds a solução milagrosa para este estado de coisas. Pôr em comum o mal de todos, não torna o mal menos "mau"! A solução, de facto só pode ser uma e passa pela responsabilização e a redimensionação dos gastos dos Estados. E isso, por mais que nos custe, implica austeridade e ter que passar a viver com menos. Porque o mais que cobre o que nos falta em receita, é dívida. E dessa estamos nós cheios!

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