quinta-feira, novembro 29, 2012

O mito da escola pública

Ontem, numa entrevista que eu não vi, o Primeiro-Ministro terá anunciado aquilo a que já chamaram "o fim da escola pública" (embora um Secretário de Estado já tenha vindo dizer que "é cedo para discutir essa matéria").

Para início de conversa, aqui vai a minha declaração de interesses: nunca trabalhei na área da educação e não tenho conhecimentos ou formação específica sobre o tema. Limito-me a ser alguém que cresceu a ouvir falar (politicamente) de educação e de gestão escolar em casa e que tem uma ou duas ideias sobre serviço público.

Assim sendo, na minha opinião, mais pertinente do que discutir propinas no secundário, seria interessante desfazer, de uma vez por todas, alguns mitos. Desde logo, o mito do serviço público ter que ser prestado, obrigatoriamente pelo Estado, e o mito da gratuitidade dos serviços. Esse é o debate que importa fazer. De caminho, seria bom discutir-se, a sério, o modelo de financiamento na educação, passando o foco das escolas para as famílias.

Quanto à gratuitidade, parece-me que quem quer "salvar a escola pública" tem que começar por perceber que a ideia de esta ser gratuita para todos é (nas actuais circunstâncias) insustentável. Tal como a saúde. O Estado deve, efectivamente, distinguir entre quem pode pagar e quem não pode e deve proteger apenas os últimos. Assim, os serviços públicos apenas deverão ser gratuitos para quem tem menos, e quem pode deve, efectivamente, pagar. É um princípio de elementar justiça, parece-me (mas segundo Jorge Miranda será inconstitucional, como quase tudo o que ajudaria a resolver os problemas do Estado).

Passando a tema mais interessante: o serviço público. Para mim é evidente que a educação é um serviço público. Porém, tal não me leva a entender que tenha que ser prestada, obrigatória e exclusivamente, pelo Estado (nem assim é!). No direito administrativo, aprende-se que é público todo o serviço que, independentemente da natureza jurídica do prestador, contempla bens ou serviços essenciais.

(Simplificando, é, exactamente por isso, que se o Estado resolver fazer chapéus tal não será um serviço público.) Com a escola passa-se o contrário. Eu, que andei numa escola privada, não deixei de ser beneficiária de um serviço público (pelo qual os meus pais pagaram duplamente: através dos impostos e através das mensalidades do colégio).

Com este entendimento, vejo, por isso, a rede do serviço público de educação como toda a oferta de ensino disponível num determinado local (concelho, região, país - dependendo do grau de descentralização), independentemente da natureza jurídica do prestador: público, privado ou cooperativo. A essa rede, a toda ela, os alunos devem poder aceder de acordo com critérios de selecção universais e privilegiando o princípio da liberdade de escolha.

Porém, para este modelo funcionar, efectivamente, o sistema de financiamento da "rede" teria que ser absolutamente distinto daquele que conhecemos (financiamento directo das escolas). Mais do que financiar escolas, calculando o custo por aluno, entendo que o Estado deveria financiar directamente as famílias. É o célebre modelo do "cheque-ensino", aplicado com considerável sucesso da Suécia, no início dos anos 90.

Neste modelo, todas as famílias recebem, por igual, o valor equivalente ao que o aluno custaria ao Estado, tendo depois a liberdade de escolher entre a escola pública ou a escola privada ou cooperativa. Tal sistema é justo, equitativo e assegura uma verdadeira liberdade de escolha. Para além disso, incentiva a boa gestão das escolas e maior autonomia face ao ME. E, se acreditarmos no exemplo Sueco, levará a uma melhoria substancial do serviço prestado e da qualidade das escolas (que passarão a concorrer todas entre si).

Este é um modelo que pelo menos me parece merecer discussão. Infelizmente a ideia do cheque-ensino saiu do discurso político e agora a discutimos propinas.

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