quinta-feira, março 21, 2019

fact check “impostos europeus”

O Observador fez um fact check sobre “impostos europeus”, para aferir se estes são fake news e parece concluir que sim. Pelo caminho, mais do que identificar factos, dá opiniões e cria mais confusão do que ajuda a compreender o que está em causa. Indo por partes:
Concorrência fiscal
1. A confusão começa porque o autor assume como má (ou errada) a concorrência fiscal. E isso não é um facto. É uma opinião. Mais, é uma opinião ideologicamente comprometida. Quem acredita num mercado livre em que os Estados competem, de forma saudável, entre si, acredita que a concorrência fiscal é boa e cria eficiência e vantagens para o contribuinte.
2. A confusão continua ao pretender fazer passar a ideia de que a Irlanda, o Luxemburgo ou a Holanda são paraísos fiscais apenas porque têm regimes fiscais mais competitivos. Ora, regimes fiscais mais competitivos não são ilegais e faz parte da soberania dos Estados Europeus (pelo menos enquanto tal existir) definir o seu sistema fiscal.
A este propósito, não deixa de ser curioso notar que, a propósito da descida do imposto sobre empresas em vários estados Europeus, a OCDE acaba por concluir que "the fall in corporate tax rates had not been reflected in a decrease in corporate tax revenues and this as a “paradox". Ou seja, os Estados que optaram por baixar impostos não viram a sua receita fiscal diminuir, mas antes conseguiram aumentá-la. Possivelmente porque atraíram investimento estrangeiro, porque as empresas menos asfixiadas por impostos investiram mais e criaram mais riqueza e postos de trabalho (que posteriormente foram tributados).
3. Por fim, argumentar que o fim de regimes fiscais mais favoráveis na UE é benéfico para Portugal é desistir de acreditar que Portugal pode ter ele próprio um sistema fiscal mais competitivo, baixar impostos e deixar de sufocar cidadãos e empresas. Com isso, seria possível atrair investimento, criar riqueza, criar postos de trabalho e por a economia a crescer. Possivelmente, até poderíamos sentir o paradoxo de que fala a OCDE: baixar impostos e aumentar a colecta.
Princípio da unanimidade
4. A unanimidade do voto no conselho em matérias chave, como fiscalidade ou defesa, é uma protecção dos Estados. É uma garantia da sua soberania. E, como se compreende, abdicar de uma parte da soberania, ao contrário do que o Documento da Comissão parece dizer, não pode nunca aumentar essa mesma soberania. Esse sim um paradoxo irresolúvel.
5. Acontece, ainda, que defender o fim da unanimidade de voto no conselho e da soberania fiscal não é um facto, mas uma opinião. E, uma vez mais, uma opinião ideológica.
Impostos Europeus
6. Como é evidente, o fim da unanimidade fiscal hoje não significa que haverá impostos europeus amanhã. Ninguém está a dizer isso. Porém, é certo que o fim dessa mesma regra de voto unânime, facilitará a introdução quer do FTT, quer do imposto sobre o digital, e levará, tendencialmente, a uma não desejada harmonização fiscal. (Que alias o autor parece defender ao criticar os regimes irlandeses ou holandeses). A harmonização fiscal, porém, também não é um facto. Quando muito será wishful thinking para alguns.
7. E aqui chegamos novamente a uma questão relevante. Diz o autor “Com isto criou-se a ideia de que está em cima da mesa a criação de impostos europeus para onerar os contribuintes europeus (e portugueses)”. Por um lado, quer o FTT, quer o imposto sobre digital, quer o imposto do carbono aplicar-se-ão, tanto quanto sabemos, a contribuintes europeus e portugueses. Embora sejam empresas, não deixam de ser contribuintes. Mas se por “contribuintes” se quiser apenas entender pessoas singulares, a verdade é que não sendo directamente sujeitos de nenhum imposto, vão acabar por ser onerados por eles. As empresas, sabemos, têm por hábito repercutir os seus custos (nomeadamente fiscais) nos preços que praticam. Quer isso dizer que, no fim do dia, serão os consumidores (europeus e portugueses) a suportar o imposto aplicado quer às transacções financeiras quer às empresas do digital, quer ao carbono.
8. Por último, escreve o autor: “Assunção Cristas vê o imposto às grandes companhias como um cavalo de Tróia para depois serem criados impostos a partir de Bruxelas.”. Ora, a União Europeia é uma construção permanente, que se faz de passos. Assim sendo, é natural que Assunção Cristas diga que ao criar-se hoje um imposto sobre grandes companhias se está a criar um precedente para que amanhã se criem novos impostos. Aliás, a criação de um imposto hoje, servirá sempre de argumento de autoridade para a criação do seguinte amanhã, e nesse momento não servirá de nada invocar a soberania fiscal, porque, seguindo a lógica do autor, já abdicámos dela! Pode ser ainda sobre empresas, ou pode ser sobre fortunas, ou pode ser sobre património. Não sabemos. O que sabemos é que ao permitir hoje que se dê o primeiro passo na criação de impostos a nível europeu sobre grandes empresas, menos autoridade teremos amanhã para os travar quando passarem a incidir sobre todas as empresas ou sobre os cidadãos. Daí ser fundamental travar esta possibilidade e não abdicar do direito de veto.

quinta-feira, março 14, 2019

"liberal nos costumes"

Ontem, e bem, o Nuno Lebreiro falou do que é ser liberal nos costumes e de como isso nada tem que ver com a defesa, mais ou menos histérica, de agendas e ideologias supostamente progressistas. Ser liberal nos costumes, tal como ser liberal na economia, é querer o Estado de fora. O Estado não é parte do jogo, nem como personagem, nem como coadjuvante, nem sequer como figurante. O Estado é árbitro. Deve guardar, por isso, as devidas distâncias das partes, para poder ser juiz isento quando a tal é chamado.
Ser liberal nos costumes é, por exemplo, o Estado não definir o que é casamento, quem pode casar e com que regime de bens o pode fazer. O Estado não é mais liberal por deixar pessoas do mesmo sexo casar. É, pelo contrário, igualmente pouco liberal e mais intervencionista, na medida em que vem apenas adicionar uma “categoria” aos que podem. Está a regular o que não deve. Liberal nos costumes é não haver no código civil um capítulo sobre casamento. Ser liberal nos costumes é não estar tipificado no código penal (artigo 247) o crime de bigamia (porque raio o Estado tem que se meter no poliamor e entre quem vive bem com isso?)
Ser liberal nos costumes é, ainda, o Estado não regular as sucessões, dando liberdade (daí ser liberal) para cada um decidir livremente o que fazer do seu património depois da sua morte. Só um estado não liberal pode conceber limitar o que cada um possa fazer com o seu património (e aqui não falamos sequer de impostos, mas de liberdade de decidir o destino).
Ser liberal nos costumes é o Estado abdicar de regular a conduta individual e a propriedade privada sempre que tal não afecte direitos de terceiros. É dar liberdade contratual aos indivíduos para entrarem nas relações pessoais que quiserem, com quem quiserem, no número que quiserem e deixa-los gozar, com liberdade, da sua propriedade em vida e poderem decidir o que querem que dela seja feito depois de morrerem,
Ser liberal nos costumes é, também, o estado abster-se de julgamentos morais e de qualquer doutrinação ideológica. O que se passa hoje com a chamada “ideologia de género” a ser ensinada nas escolas portuguesas não é sinal de um Estado ou de uma sociedade mais liberal. É antes, sinal oposto, de um Estado que se considera guardião de uma determinada moral e se acha legitimado a ensinar às crianças o que é certo e o que é errado, de acordo com uma cartilha, no caso progressista. Hoje não será a cartilha da Igreja, como no Estado Novo, mas não deixa de ser uma cartilha e não deixa de violar o principio de que o Estado não pode usar a escola para promover diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas (artigo 43, n. 2 da Constituição).
Face a este entendimento do que é um Estado liberal nos costumes, acredito que muito poucos dos que se imaginam a defendê-lo o continuem a fazer, na medida em que o que de facto defendem não é um Estado liberal (que presa a liberdade) mas sim um estado intervencionista, que entra na casa, no bolso e na cama dos cidadão, com uma agenda pré-definida.
Quem é liberal é pois hoje chamado a defender, sem vacilar, o Estado ideológico fora da escola e por isso tem que denunciar o ataque brutal que está a ser feito aos mais novos (e por isso mais frágeis) em nome do suposto progressismo da ideologia de género. Não há outra atitude que defenda a liberdade.

sobre a ideologia de género

A escolha é de princípio e não ideológica. O Estado não pode promover ideologia dentro das escolas, seja esta progressista, conservadora ou demais variantes possíveis. Quem hoje admite e aplaude o que está a ser feito pelo Ministério da Educação a propósito da ideologia de género na escola, amanhã, se mudarem os tempos e as vontades, não se pode admirar da escola ser usada para veicular outras ideias. Não podemos ser favoráveis ao Estado interventivo quando este intervém nas matérias de que gostamos e apelidar de fascismo tudo aquilo que são intervenções do Estado nos domínios de que não gostamos. Como os ingleses perceberam, há vários séculos, daí terem a Magna Carta, a única defesa da liberdade é a limitação dos poderes do Estado.

quarta-feira, março 13, 2019

progressismo vs multiculturalismo

Nuno Lebreiro, a nova guerra da "ideologia de género" já se está a travar em Inglaterra e será interessante (se não cómico) ver as piruetas que os multiculturalistas modernos terão que dar para conciliar as suas duas visões antagónicas: por um lado a defesa de um mundo sem fronteiras onde todas as culturas devem viver em harmonia e por outro a imposição da agenda LGBT a populações que, pela sua cultura e religião, não o admitem.
ECONOMIST.COM
The parents seem to have won the latest battle in a new culture war