segunda-feira, outubro 28, 2019

O fim da competitividade fiscal

Depois de o Tribunal Europeu ter considerado que a Comissão Europeia pode alterar as decisões fiscais dos Estados-membros, a Comissão vai propor acabar com a regra da unanimidade na política fiscal da União Europeia e tentar criar novos impostos europeus. Está em curso uma transformação da economia europeia e da ideia de soberania fiscal, a partir de Bruxelas.

O que no início deste ano era apenas matéria de uma comunicação da Comissão Europeia, sem o “poder de fogo” que teria uma proposta legislativa, ganhou fôlego e tracção e surge agora na Carta de Missão endereçada pela presidente eleita Ursula Von der Leyen ao comissário italiano com a pasta da Economia. A este é pedido que torne o Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB) uma realidade, que combata os regimes fiscais “nocivos” (falta saber qual será a definição adoptada de regime fiscal nocivo) e que use todas as cláusulas dos tratados para tornar possível que propostas em matérias fiscal possam ser adoptadas por maioria qualificada.

Na sua audição no Parlamento Europeu, a questão passou entre os pingos da chuva, como uma lateralidade que pouco escrutínio ou detalhe mereceu. O mesmo aconteceu com os anúncios de um Carbon Border Tax e de um European Digital Tax. E, no entanto, são transformações profundas.

Mais do que uma “evolução” ou apenas mais uma “federalização”, o que está em causa é o triunfo de uma visão de Europa uniforme, pouco competitiva e pré-determinada segundo as regras de Bruxelas, sobre outra, uma UE em que a concorrência fiscal entre Estados é entendida como positiva e os seus efeitos em termos de crescimento e atracção de investimento aproveitados pelos Estados. Nessa versão de Europa, sem concorrência fiscal e com harmonização, a Irlanda nunca se teria transformado no “Tigre Celta” e o Leste europeu não teria galopado, nos últimos anos, o pódio do crescimento.

Na mesma linha, não deixa de ser relevante notar que, a propósito da descida do imposto sobre empresas em vários estados europeus, a OCDE acaba por concluir que the fall in corporate tax rates had not been reflected in a decrease in corporate tax revenues and this is a “paradox”. Ou seja, os Estados que optaram por baixar impostos não viram a sua receita fiscal diminuir, mas antes conseguiram aumentá-la.

O segundo evento relevante a este propósito são as decisões, em primeira instância, do Tribunal Geral da União Europeia (EGC) nos casos dos tax rulings (uma decisão fiscal antecipada emitida pelas autoridades tributárias para empresas e indivíduos que solicitam esclarecimentos sobre a interpretação das leis tributárias ou acordos tributários), sobre as supostas vantagens fiscais ilegais atribuídas pela Holanda à Starbucks e pelo Luxemburgo à Fiat. Embora no caso do Luxemburgo o tribunal confirme a decisão da Comissão e no caso da Holanda anule essa mesma decisão, o resultado prático dos acórdãos, em termos de protecção da soberania fiscal, é semelhante. Isto porque em ambos o tribunal confirma a interpretação da Comissão Europeia de que, em determinadas circunstâncias, é lícito à Direcção Geral da Concorrência avaliar as regras aplicáveis em termos de impostos sobre empresas e obrigar Estados-membros a “recuperar” valores que a Comissão entende que deveriam ter sido pagos e não o foram. Tal faz tábua rasa do princípio de que a lei fiscal é nacional e não retroactiva; que um tax ruling não é uma ajuda de Estado, mas apenas uma decisão fiscal antecipada em nome da clareza e da certeza jurídica e, por fim, que o Direito da Concorrência não será, de todo, a ferramenta adequada para a harmonização fiscal.

Diz o acórdão relativo ao Luxemburgo: “Em primeiro lugar, no que diz respeito ao argumento relativo à harmonização fiscal disfarçada [o Luxemburgo, na sua defesa, argumentara que a Comissão adoptara uma abordagem conducente a uma harmonização fiscal disfarçada], o tribunal observa que, ao considerar se a decisão fiscal controvertida cumpria as regras relativas aos auxílios estatais, a Comissão não prosseguiu nenhuma ‘harmonização fiscal’, mas exerceu o poder que lhe foi conferido pelos Tratados, verificando se essa decisão tributária conferia ao seu beneficiário uma vantagem em comparação à tributação ‘normal’, conforme definido pela legislação fiscal nacional.”

Tal significa que em primeira instância (o Luxemburgo poderá recorrer) o tribunal considerou que aferir da compatibilidade de determinadas decisões fiscais relativas à aplicação das leis nacionais (tax rulings) com as regras em matéria de Auxílios de Estado é um exercício de poder comum e não o extravasar das competências da Comissão Europeia em matéria de concorrência para entrar no domínio soberano da política fiscal.

A Comissão não pode regular as regras fiscais nacionais, mas, por esta via, pode invocar que a sua aplicação em concreto viola regras europeias e, portanto, levar a uma harmonização fiscal disfarçada, como argumentou o Luxemburgo.

Os próximos cinco anos serão, verdadeiramente, uma arena de combate em Bruxelas entre os que defendem, legitimamente, a harmonização fiscal e a capacidade tributária própria da UE, com a possibilidade de criar impostos, e aqueles que, de forma igualmente legítima, se opõem a tal visão e defendem a concorrência fiscal e o mercado livre. Esta batalha terá como ponto alto a futura proposta sobre o fim do direito de veto no Conselho em matéria fiscal, que não tardará a aparecer. Já muitos se posicionaram nesta arena, mas muitos outros serão chamados a fazê-lo e esta não é uma matéria menor ou subalterna. É uma das questões mais fundamentais e definidoras do futuro que queremos. 

Quem, como é o meu caso, acredita na liberdade, no mercado, na concorrência leal e numa Europa que seja o somatório de Estados independentes, soberanos e fortes, só pode posicionar-se no lado da defesa intransigente da liberdade e da concorrência fiscal. Quem acredita num mercado livre em que os Estados competem de forma saudável entre si, acredita que a concorrência fiscal é boa, cria eficiência e traz vantagens para o contribuinte.

Acabar com o voto por unanimidade em matéria fiscal significa que os Estados-membros da UE deixam de ser soberanos para vetar qualquer proposta nesta matéria. Além disso, escancara a porta à desde há muito desejada harmonização fiscal, decretando o fim da capacidade de cada Estado definir o seu regime fiscal e procurar dessa forma atrair investimento, crescimento económico e maior competitividade num mundo global.

https://www.publico.pt/2019/10/28/economia/opiniao/fim-competitividade-fiscal-1891386?fbclid=IwAR10uQSTl4UzMUFT_8TEpFnAu3w1y017Ie96EA-9eexcsQ74L8gFg-fHkOwTal implica ir ainda mais longe do que federalizar a UE, na medida em que até numa federação pode (e deve!) existir concorrência fiscal.


Texto publicado no Público de 28/10/2019

quinta-feira, outubro 10, 2019

4 anos

4 anos do António com vários elementos de um claro alinhamento ideológico correcto: defesa do eixo transatlântico (Capitão América); defesa do capitalismo (tio Patinhas); defesa do humor (Donald) e defesa da coragem (PJ Masks). Por fim, o mais importante, defesa intransigente do chocolate! E tudo com um bom toque conservador que estes bonecos não nasceram ontem!

Está feito. O primeiro grande sinal de que Macron não manda como se achou que mandaria: "Much of the criticism of Goulard was led by the European People's Party (EPP), and some MEPs suspect the center-right bloc wanted to exact revenge on Macron after he torpedoed EPP group leader Manfred Weber's campaign for the Commission presidency." Avizinham-se tempos interessantes por aqui!
Um dos dados mais interessantes do novo quadro institucional da UE pode bem ser este: a rejeição da (super) comissária indicada por França. Depois de a Presidente da Comissão Europeia ter sido escolhida pelo Conselho, seguindo a tradição e fazendo tábua rasa dos anseios do Parlamento e do processo do Spitzenkandidat, e de se dizer que Macron terá tido uma influência grande nessa escolha, o Parlamento Europeu usa os seus poderes para fazer a vida de Sylvie Goulard (e por extensão a de Macron) o mais difícil possível. Mais do que uma questão de competência ou de incompatibilidade, este será um braço de ferro político com França (and the powers that be) que será interessante perceber como acaba. Já daqui a nada com o resultado de um voto secreto!

POLITICO.EU
French Commission nominee’s fate now hangs on full committee vote.

segunda-feira, outubro 07, 2019

O CDS

Filiei-me no CDS em 1999 motivada pelo seu então líder, Paulo Portas, mas também por uma escolha ideológica. Claro que a definição ideológica aos 16 ou aos 18 anos é bastante menos matizada que a que temos aos 38 anos. O meu mundo de então era preto e branco. Para mim, havia direita e havia esquerda. Havia socialistas e havia não socialistas. Eu era de direita e não socialista. Ainda hoje, na essência é isso que me define politicamente.
Com a idade, e com a vivência no CDS, fui limando arestas e percebendo que havia pontos em que era mais liberal, questões nas quais seria mais conservadora e que era pouco próxima da democracia cristã. Na essência, o que me motivava, e motiva, é o combate pela liberdade contra o estatismo dirigista das esquerdas.
Nos meus anos de militância activa nunca me perdi em guerras ideológicas nem vi muitos a fazê-lo. Sempre que pude defendi a síntese das várias correntes e a sua união em torno dos valores mais importantes, o primeiro deles a liberdade. O CDS é a nossa casa, sejamos mais liberais, mais conservadores ou mais democratas cristãos. O que nos une é que não somos socialistas e não acreditamos que o Estado resolva todos os problemas. Daqui resulta que o espaço não socialista abrange todos o que acreditam no combate pela liberdade individual: do mais liberal ao democrata-cristão, há espaço para todos.
O meu CDS, aquele em que cresci e em que me fiz politicamente adulta, é pois uma grande casa de liberdade. Uma casa onde cabem todos aqueles que não olham para o Estado como uma entidade salvífica e que acreditam na livre iniciativa e no personalismo. A pessoa faz a comunidade e não é a comunidade que define a pessoa. O meu CDS é o partido que discutiu a flat tax quando ninguém falava dela e defendeu o cheque ensino contra os que nos acusavam de querer acabar com a escola pública. O meu CDS é o partido que apontava a Irlanda como exemplo de crescimento e que se apresentava aos eleitores como o partido dos contribuintes. Ao mesmo tempo, é o partido que não esquecia os agricultores, as forças de segurança, os reformados e os ex-combatentes. O meu CDS é o partido que defendia um Estado mais exíguo e que explicava que serviço público não tem que ser prestado por entidades públicas. O partido que acreditava na iniciativa, no mérito e num verdadeiro “elevador social”. Mas era também o partido que tinha como lema relativo à imigração “rigor na entrada, humanidade na integração” e o partido que defendia a vida.
Esta era uma mistura, para mim quase perfeita, de liberalismo na economia, de tirar o Estado da vida das pessoas, e de um certo conservadorismo social que não sendo ultramontano ou radical partia do princípio que a política não deve ter por objectivo a construção do homem novo ou a engenharia social. Ora, este “meu” CDS não conseguiu aproveitar os últimos 4 anos para se sedimentar, beneficiar da erosão do PSD e abriu o flanco a novas forças políticas. Ontem ficou reduzido à sua expressão mínima e encravado entre uma Iniciativa Liberal que soube vender o mesmo liberalismo, que eu sempre encontrei no CDS, de forma muito mais eficaz; e pelo Chega que agarrou o eleitorado mais conservador com um discurso ideologicamente vincado e um estilo truculento.
O CDS, que se apresentou às eleições com melhor programa eleitoral de sempre, teve ontem o pior resultado (em número de votos) da sua história. E o mais grave nem é ficarmos com um Grupo Parlamentar de 5 (o que de si é trágico) ou passarmos a ser “o maior dos mais pequenos”. O mais grave é que esta derrota, quando e como acontece, pode levar o CDS para um caminho de depuração doutrinária e de combate ideológico que só nos pode fazer pior.
A situação é difícil. Termos a Iniciativa Liberal e o Chega a disputar connosco o nosso eleitorado, todos os dias, com uma versão “simplificada” do nosso discurso não ajuda. Mas pretendermos ser amanhã mais liberais do que a IL ou querer ultrapassar o Chega pela direita não é de todo a solução.
O CDS tem que continuar a ser a casa de conservadores-liberais, misturando as várias tendências numa receita de sucesso, e tem que conseguir recuperar a confiança de quem pretende, de facto, ter uma alternativa não socialista em Portugal. Mais do que discutir quem é mais liberal ou mais democrata cristão, ou qual o grau máximo de pureza ideológica, o CDS tem que ser capaz de se encontrar no que nos une – somos o espaço não socialista – e de assumir um discurso simples que rompa com o estatismo, que devolva a liberdade às pessoas, que se oponha de forma inequívoca a toda e qualquer tentativa de construção social por parte do Estado. O caminho não é fácil e acredito que todos sejam precisos. Desistir não é opção e Portugal precisa, mais do que nunca, daquilo que há mais de 20 me levou ao CDS: uma alternativa não socialista para o país.

sexta-feira, outubro 04, 2019

Votos

Confrontados com a possibilidade de escolher apenas um desta folha, a Francisca escolhe a flor (Livre) e o António a estrela (Bloco). Ahh tanto trabalho que temos pela frente Nuno Lebreiro!

quinta-feira, outubro 03, 2019

Diogo Freitas do Amaral

A minha memória mais antiga da “escola” remonta a 24 de Outubro de 1985. A ESCOLA "AVE-MARIA" fazia 40 anos e comemorou-os com uma grande Missa nos Jerónimos. Uma das presenças mais ilustres, de que todos falavam e que ficou guardada na minha infante memória, era um dos primeiros alunos da Escola, Diogo Freitas do Amaral. É, assim, esta a minha mais antiga memória do Professor Freitas do Amaral, antes da campanha de 86, muitos anos antes de o saber fundador daquele que viria a ser o meu partido e ainda mais distante do tempo em que aprendi a gostar de Direito Administrativo nas páginas dos seus volumes amarelos sobre a matéria. Por isso, devo-lhe essa longínqua memória da menina de 4 anos, devo-lhe a fundação do CDS, e devo-lhe ser o professor que melhor “escrevia” direito. E já é muito!