sábado, setembro 29, 2012

Federalismo?


A grande discussão do momento na UE passa, em grande parte, pela emissão conjunta de dívida soberana: as célebres eurobonds – também chamadas stability bonds. Mas o que são, afinal? São obrigações da dívida que ao invés de serem emitidas por um Estado, são emitidas pelo conjunto dos Estados da zona Euro e como tal garantidas por todos. Naturalmente que, comunitarizando a dívida, o preço do dinheiro baixa e as dúvidas sobre o cumprimento individual de cada Estado se dissipam.

É esta uma boa solução? É e não é. Vejamos:

(1) É uma boa solução na medida em que significa um avanço significativo na construção da União Económica e Monetária e evitará que, no futuro, se criem as condições para uma crise de dívidas soberanas como aquela que atravessamos, na medida em que retirará pressão sobre os Estados periféricos, fortemente penalizados pelas dúvidas dos mercados quanto à sua capacidade de cumprir as obrigações assumidas e pagar as dívidas.

(2) Não é uma boa solução, já, por vários motivos: (i) não é um mecanismo de resolução de crises e, como tal, não consegue, a curto prazo, resolver o problema actual; (ii) não pode ser implementada de imediato; (iii) sem medidas de acompanhamento, levaria ao descalabro que vimos acontecer com o Euro, o qual criou a ilusão de dinheiro fácil (e barato) para todos.

Posto isto, sou eu a favor ou contra? A favor. A minha opinião vai, no essencial, ao encontro do caminho apresentado pelo Presidente da Comissão no seu último discurso sobre o Estado da União: este só pode ser no sentido de mais integração, de maior aprofundamento e de mais solidariedade. Quer isto dizer que se deva avançar, já, para a emissão conjunta de dívida? Não. Este ainda não é o momento, e temo que se tal fosse feito, agora, as consequências poderiam ser devastadoras. Já hoje citei o artigo de José Manuel Fernandes no qual ele fala das ilusões que foram criadas pelo Euro, na década de 90. Com as eurobonds seria descalabro semelhante. Estados que não estão habituados ao cumprimento das regras e que ainda não se aperceberam bem do que lhes aconteceu, olhariam para as eurobonds como o fim da sua responsabilidade individual. É por isso que a Alemanha se opõe a esta hipótese com unhas e dentes! Porque teme que emissão conjunta signifique, na prática, responsabilidade alemã. E não é isso que tal comunitarização significa.

Por isso mesmo, emissão conjunta de dívida e união orçamental (poderíamos chamar-lhe união política) são duas faces da mesma moeda. Não pode haver responsabilidade solidária sem existir controlo ex-ante das opções individuais dos Estados. Não pode haver responsabilidade solidária sem existir um mais eficaz e rigoroso governo económico para os Estados do Euro. E isso, não podemos ter ilusões, representará sempre a perda de alguma parte da soberania. Porque na UE como na vida, não podemos querer ter só a parte boa. Ao alívio da responsabilidade vem acoplada a perda de alguma liberdade. Porque se o queremos é ser livres de seguirmos o nosso caminho, então teremos que ser responsáveis únicos por ele. Não podemos estar num projecto que envolve mais 16 Estados e não podemos querer que, quando na nossa liberdade erramos, sejam os outros que nos venham ajudar a emendar o nosso erro. Na UE, como na vida, liberdade e responsabilidade andam sempre de mãos dadas. E aqui a escolha é só uma: queremos responsabilidade partilhada ou não? E para isso estamos disponíveis para abdicar de alguma da nossa liberdade?

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