Acabei de ler o livro “When Nietzsche Wept”. Foi leitura que me acompanhou por vários
dias. Li-o com calma, devagar. Acho que há muito tempo que não lia um livro com
tanta calma. Não porque seja uma leitura difícil, mas porque procurei, para
além de ler e compreender a história, absorver cada palavra, cada frase, cada
mensagem. Deixar-me conquistar pela leitura ao invés de a querer domar, impondo-lhe
o meu ritmo.
Admito que tanto o título, como o autor possam parecer
intimidantes à primeira vista. Mas não nos devemos assustar. A leitura deste
romance (porque é disso que se trata – no sentido literário do termo e não no
sentido romântico do mesmo) mais do que ser agradável – a escrita é simples e
fluída – é desafiante. Desafiante dos nossos esquemas mentais, das nossas
ideias feitas e dos nossos pré-conceitos – sobre a psicoterapia, sobre a
filosofia, sobre Nietzsche, sobre a vida.
Esta é a estória do encontro ficcionado entre Josef Breuer
(médico vulgarmente conhecido pelo caso de Anna O.) e o filósofo Friedrich
Nietzsche, numa terapia conjunta em que tanto o "médico", como o "paciente" vão
invertendo papéis, curando e sendo curados, naquela que é a experiência da “talking
cure”. O livro constrói uma curiosa e intrincada tapeçaria entre o nascimento
da psicoterapia e a filosofia de Nietzsche, desenvolvida através da conversa
entre estes dois homens. Conversa essa que se foca sobre a vida, sobre a
insatisfação, sobre a obsessão e sobre a angústia existencial de Breuer (mas
também, e curiosamente, do seu “médico”, Nietzsche).
E é através da conversa destes dois homens que somos levados ao
lado mais negro da natureza humana – a obsessão e o medo – mas também ao
encontro de nós próprios, através do sábio conselho do filósofo: torna-te quem
és. Ama o teu destino. Consuma (contrário de consome) a tua vida. Escolhe o teu
caminho. Vive agora a vida que viverás toda a eternidade. Procura a liberdade,
mas procura-a dentro de ti. Morre no tempo certo.
E, mais importante, a lição de que a nossa vida, toda ela, é uma escolha. E uma escolha que deve ser nossa, feita em liberdade.
Apenas nós podemos escolher a vida que queremos viver, e consumá-la de forma
plena. E a angústia nasce, precisamente, das escolhas erradas ou mesmo da
ausência de escolha. Mas quantos são os caminhos e os atalhos que seguimos para
evitar viver a vida que queremos viver, vivendo aquela que nos é imposta. “Have you lived your life or have you been lived
by it?” Porque para que possamos viver a nossa vida, primeiro teremos que Ser,
efectivamente. E para Ser é preciso ir ao fundo de nós e resgatar o Eu que o
tempo, que o medo, que a vida foi escondendo e tornando incapaz de escolher ser
livre.
E para esta escolha ser verdadeira, ser
consciente e ser um verdadeiro “salto” não podemos ter medo do que possamos,
eventualmente, perder. Breuer dá este salto de forma controlada e descobre –
talvez para seu próprio espanto – que, afinal, a escolha que ele julgara ter-lhe
sido imposta, era afinal a sua própria escolha e que nenhuma outra vida seria a
Sua Vida. Nietzsche pelo contrário, dá o salto no vazio e encontra a sua própria
solidão. Por isso chora. Porque aquilo que julgara ser a sua escolha, era
afinal a cruel imposição da vida. E só ao partilhar com outro ser humano a sua
angústia, só ao partilhar a extraordinária experiência humana que é amizade,
percebe que afinal o seu caminho de solidão era, então, a sua verdadeira
escolha (porque podia escolher outro).
E, o mais espantoso, é que, no final, a “cura” de ambos os
homens deriva tão simplesmente da honestidade da partilha: “isolation exits
only in isolation”. Da amizade. E é nesse momento, quando finalmente quebram a barreira da
desconfiança e do medo, e se entregam um ao outro numa amizade honesta, que
curam, por fim, a sua angústia existencial.
Porque, de facto, talvez tenhamos primeiro que enfrentar o nosso Eu, encontrá-lo na mais profunda solidão e vivenciá-la, aí, de forma plena, para que depois possamos, sendo nós próprios, compreender, aceitar e amar a escolha da partilha com os outros.
“I meant only that, to fully relate to
another, one must first relate to oneself. If we cannot embrace our own
aloneness, we will simply use the others as a shield to isolation. Only
when one can live like the eagle – with no audience whatsoever – can one
turn to another in love; only then is one able to care about the
enlargement of the other’s being.”
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