domingo, outubro 14, 2012

A liberdade não está em fazermos tudo o que queremos, mas em nos tornarmos quem somos























Acabei de ler o livro “When Nietzsche Wept”. Foi leitura que me acompanhou por vários dias. Li-o com calma, devagar. Acho que há muito tempo que não lia um livro com tanta calma. Não porque seja uma leitura difícil, mas porque procurei, para além de ler e compreender a história, absorver cada palavra, cada frase, cada mensagem. Deixar-me conquistar pela leitura ao invés de a querer domar, impondo-lhe o meu ritmo.   

Admito que tanto o título, como o autor possam parecer intimidantes à primeira vista. Mas não nos devemos assustar. A leitura deste romance (porque é disso que se trata – no sentido literário do termo e não no sentido romântico do mesmo) mais do que ser agradável – a escrita é simples e fluída – é desafiante. Desafiante dos nossos esquemas mentais, das nossas ideias feitas e dos nossos pré-conceitos – sobre a psicoterapia, sobre a filosofia, sobre Nietzsche, sobre a vida.

Esta é a estória do encontro ficcionado entre Josef Breuer (médico vulgarmente conhecido pelo caso de Anna O.) e o filósofo Friedrich Nietzsche, numa terapia conjunta em que tanto o "médico", como o "paciente" vão invertendo papéis, curando e sendo curados, naquela que é a experiência da “talking cure”. O livro constrói uma curiosa e intrincada tapeçaria entre o nascimento da psicoterapia e a filosofia de Nietzsche, desenvolvida através da conversa entre estes dois homens. Conversa essa que se foca sobre a vida, sobre a insatisfação, sobre a obsessão e sobre a angústia existencial de Breuer (mas também, e curiosamente, do seu “médico”, Nietzsche).

E é através da conversa destes dois homens que somos levados ao lado mais negro da natureza humana – a obsessão e o medo – mas também ao encontro de nós próprios, através do sábio conselho do filósofo: torna-te quem és. Ama o teu destino. Consuma (contrário de consome) a tua vida. Escolhe o teu caminho. Vive agora a vida que viverás toda a eternidade. Procura a liberdade, mas procura-a dentro de ti. Morre no tempo certo.

E, mais importante, a lição de que a nossa vida, toda ela, é uma escolha. E uma escolha que deve ser nossa, feita em liberdade. Apenas nós podemos escolher a vida que queremos viver, e consumá-la de forma plena. E a angústia nasce, precisamente, das escolhas erradas ou mesmo da ausência de escolha. Mas quantos são os caminhos e os atalhos que seguimos para evitar viver a vida que queremos viver, vivendo aquela que nos é imposta. “Have you lived your life or have you been lived by it?” Porque para que possamos viver a nossa vida, primeiro teremos que Ser, efectivamente. E para Ser é preciso ir ao fundo de nós e resgatar o Eu que o tempo, que o medo, que a vida foi escondendo e tornando incapaz de escolher ser livre.

E para esta escolha ser verdadeira, ser consciente e ser um verdadeiro “salto” não podemos ter medo do que possamos, eventualmente, perder. Breuer dá este salto de forma controlada e descobre – talvez para seu próprio espanto – que, afinal, a escolha que ele julgara ter-lhe sido imposta, era afinal a sua própria escolha e que nenhuma outra vida seria a Sua Vida. Nietzsche pelo contrário, dá o salto no vazio e encontra a sua própria solidão. Por isso chora. Porque aquilo que julgara ser a sua escolha, era afinal a cruel imposição da vida. E só ao partilhar com outro ser humano a sua angústia, só ao partilhar a extraordinária experiência humana que é amizade, percebe que afinal o seu caminho de solidão era, então, a sua verdadeira escolha (porque podia escolher outro).

E, o mais espantoso, é que, no final, a “cura” de ambos os homens deriva tão simplesmente da honestidade da partilha: “isolation exits only in isolation”. Da amizade. E é nesse momento, quando finalmente quebram a barreira da desconfiança e do medo, e se entregam um ao outro numa amizade honesta, que curam, por fim, a sua angústia existencial.

Porque, de facto, talvez tenhamos primeiro que enfrentar o nosso Eu, encontrá-lo na mais profunda solidão e vivenciá-la, aí, de forma plena, para que depois possamos, sendo nós próprios, compreender, aceitar e amar a escolha da partilha com os outros.

I meant only that, to fully relate to another, one must first relate to oneself. If we cannot embrace our own aloneness, we will simply use the others as a shield to isolation. Only when one can live like the eagle – with no audience whatsoever – can one turn to another in love; only then is one able to care about the enlargement of the other’s being.”

Nenhum comentário: