Tenho por hábito estudar/trabalhar ao som de bandas sonoras.
Calhou hoje a escolhida ser a fabulosa banda sonora do filme “The Painted Veil”,
de Alexandre Desplat. O que me levou a recordar o filme e o livro, de Somerset
Maugham. Este é, possivelmente, o escritor homem que melhor captou a riqueza de
uma personalidade feminina. As suas mulheres nada têm de planas, previsíveis ou
secundárias. Antes pelo contrário. E n' “O Véu Pintado” é uma mulher a anti-heroína
na história.
Kitty Fane começa por ser a menina fútil e evolui para ser
uma mulher leviana. Mas, a mesma Kitty Fane que assim começou, através de um
caminho de solidão e de sofrimento, consegue redimir-se e regenerar-se.
Confrontada com as suas culpas, com a solidão e com o desterro numa zona remota
da China, Kitty renasce primeiro para os outros (as freiras e os orfãos do
convento) e neles encontra-se, depois, a si própria. E, por fim, descobre o
afecto, o perdão e o amor pelo homem que outrora desprezara. Um amor que nasce
do respeito e da admiracão, mas também do sofrimento. E um amor que é muito
mais do que uma paixão fugaz, alimentada pela chama passageira do desejo e da
auto-satisfação. Um amor capaz de vencer a solidão, a descrença e até o medo, porque
se basta a si próprio, pelo poder regenerador e criador que traz consigo.
Esta é a poderosíssima estória que Somerset Maugham nos
conta, e Kitty Fane acaba por ser a derradeira prova de que não há caminhos
impossíveis e que o sofrimento tem um imenso poder regenerador, saibamos nós
aproveitá-lo. Kitty Fane é, afinal, uma lição de esperança nas mulheres. Uma
lição de esperança no ser humano.
Como escrevi certa vez, esta é uma estória de amor do avesso. Talvez a mais bela estória de amor do
avesso já contada... mas, lá está, também ninguém nos disse que as
estórias de amor tinham todas que ser escritas do direito. Somerset não o fez.
E fez bem.
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