quarta-feira, outubro 31, 2012

Leituras




Aqui há uns anos descobri Stieg Larsson. Por acaso. Ninguém mo tinha recomendado,  mas mesmo assim arrisquei, apesar de uma capa pouco feliz (que remetia para aqueles romances de vampiros que, de repente, encheram todas as estantes) e de um título algo duvidoso: “Os homens que odeiam as mulheres” (na versão portuguesa). 

Li o primeiro de rajada e não descansei enquanto não acabei os outros dois. Com uma brutal falta de humanidade (que toca o egoísmo), lamentei a morte prematura de Larson não por ele ter morrido, mas pelos livros que ficaram por escrever. Queria ler mais, todos aqueles que iriam compor uma obra de 10 histórias sobre o super Blomkvist e a anti-heroína mais bem conseguida da literatura policial, a Lisbeth Salander.

Para colmatar a falha dos livros que ficaram por escrever, devorei os filmes. Primeiro a trilogia original sueca (e confesso que não esperava filmes ao nível do que encontrei) e depois esperei com ansiedade crescente o lançamento do primeiro dos  filmes da trilogia made in Hollywood. Não desapontou, antes pelo contrário.

Agora, que não há data para o lançamento do segundo filme da trilogia Millennium, arrisquei uma outra autora sueca: Camilla Lackberg. A expectativa era alta (já que ela é apelidada da nova Agatha Christie – e para mim Christie será sempre a autora que me fez gostar de ler “livros de gente crescida”) e a tentação de a comparar a Larson era (quase) irresistível. E talvez sejam mesmos as comparações que tramam Lackberg. Nem é Christie, nem é Larson. Ao terminar o seu primeiro livro, “The Ice Princess” (na tradução inglesa), não posso considerar que seja genial. É uma autora competente e o livro é interessante, mas, na minha opinião, perde-se demasiado em histórias paralelas sem explicar, devidamente, a trama principal. E claro, Patrik e Erica não são o Poirot nem a Miss Marple. Não são, sequer, o super Blomkvist e a Lisbeth. Mas, como tira teimas, e porque adoro policiais, já chegaram hoje os três seguintes. E, quem sabe, não vou descobrir que os autores também crescem (nem que seja para nós).

sábado, outubro 27, 2012

mergulho

Leva-me contigo a ver o mar. Uma e outra vez. De mãos entrelaçadas, sem pressa... porque o mar, tal como o tempo, espera.




sexta-feira, outubro 26, 2012

Todas as cartas de amor são ridículas



“Maria Elena used to say that only unfulfilled love can be romantic” (roubado ao Vicky Cristina Barcelona)

Esta é uma doutrina. A “doutrina Maria Elena”, se quiserem. A mesma Maria Elena que tanto tem de louca, como de genial e que junta ambas as coisas numa explosão temperamental com sotaque latino, naquele filme que, sendo de Woody Allen, traz consigo as cores de Almodovar.

Repetidas vezes dei comigo a pensar nesta doutrina. Mesmo antes de a ouvir da boca incrédula de Juan Antonio, muitas vezes tinha eu própria andado a divagar por estes mesmos caminhos: só os amores impossíveis teriam aquele “q” que os tornaria infinitamente românticos. Talvez porque me recordasse de Carlos e Maria Eduarda. Talvez porque carregasse comigo a trágica memória histórica de Romeu e Julieta. Talvez porque nenhuma das histórias que a Disney me contou me tenha feito, realmente, sentir diferente. Talvez porque esta fosse, afinal, uma história mais fácil.

E durante anos acreditei nesta doutrina. Vivi esta doutrina. Durante anos, senti todo o fascínio e toda a absoluta mística romântica das histórias impossíveis. Pareciam histórias feitas para grandes livros, épicos. Histórias fabulosas do amor que não cede perante a impossibilidade. Muito melhor do que o “e viveram felizes para sempre”, era o peso histórico, cultural e moral do amor que resiste, romântico, à sua própria não concretização. Isso sim seria a derradeira prova de amor. Que tamanha ilusão!

Talvez demore tempo para perceber racionalmente, mais ainda para sentir lá bem fundo, naquele sítio onde não há palavras, nem pensamentos. Mas um dia, com sorte, chegamos lá: só o amor possível é real. Só o amor vivido é, de facto, romântico. Porque o amor é mais do que uma ideia ou de que um conceito. O amor é um mistério insondável. Não se explica. Acontece. Sente-se. Vive-se. E concretiza-se nas mais variadas formas, e são os gestos mais simples de partilha (de amor) que o tornam real. Um sorriso. Um abraço. Umas flores. Um beijo. Uma carta. Uma música. Um filme. Todos os momentos partilhados que constroem uma história a dois e que valem, cada um deles, infinitamente mais do que todas as impossibilidades do mundo, por mais extraordinariamente românticas que sejam (ou que assim tenham sido escritas por autores talentosíssimos).

Só esse amor que sai da esfera das impossibilidades e se torna real em nós e transforma a nossa vida, só esse amor é que enche o coração e aconchega a alma. Só esse amor tem, de facto, o poder de transformar o que antes era deserto, num campo de flores. Só esse amor tem a capacidade de criar laços onde antes não havia nada, de criar sonhos onde antes apenas havia incertezas, de criar esperanças onde antes só havia medo. Só esse amor, porque é real e é possível, é, afinal, o que de mais romântico algum dia poderemos experimentar.

Se o impossível vive da projecção da sua eventual possibilidade no futuro; o possível é possível agora, hoje, no presente. E por isso vale a pena. Por isso será sempre infinitas vezes melhor. Infinitas vezes maior. Infinitas vezes mais real. Infinitas vezes mais romântico. Porque, na verdade, depois de todo o ruído à nossa volta se calar, só o amor é real. E só o amor que é possível, é, de facto, romântico. É, de facto, Amor.

sexta-feira, outubro 19, 2012

Identidade




Para pensar: e se neste cartaz aparecesse uma suástica? O que diriamos? Quantas vozes gritariam bem alto (e bem!)? Mas o mesmo não acontece com o símbolo do comunismo. Porquê? Porque o politicamente correcto nos impede de associar tal símbolo à repressão, à ditadura e às perseguições políticas? Porque esta Europa em que vivemos se tornou de tal modo elástica nos seus valores que já não consegue distinguir tolerância de apatia? 

Confesso que não consigo entender. Se percebo a mensagem de tolerância religiosa - obviamente - já não compreendo a associação deste projecto a um regime responsável pela repressão de milhares de Europeus durante o século XX. Como diz este artigo, basta passar pelo leste Europeu para sentir (e ver) o que significou, na prática, a ditadura do proletariano e a instituição de regimes comunistas, à força, sob forte repressão social, cultural e política.

Uma Europa que esquece o seu passado - o que tem medo de o assumir - é uma Europa que não apenas perdeu a memória (!) mas que está à beira de perder a sua identidade e a sua matriz cultural e filosófica.

Uma Europa que se quer para todos (e bem) não pode ser uma Europa que perde a memória e, de caminho, a consciência. É grave? É. Por tudo aquilo que o símbolo em si representa e por tudo o que a sua presença significa da atrofia política (e  moral) a que chegámos.

quinta-feira, outubro 18, 2012

Veto

Merkel quer poder de veto sobre orçamentos nacionais mas rejeita emissão conjunta de dívida. Ora, cá pra mim, as coisas só fazem sentido sendo parte de um mesmo "pacote" - maior integração política. Caso contrário, será apenas uma bonita forma de ingerência.

7 anos

Não me lembro do dia em que fiz sete anos. Mas, à distância de 24 anos, imagino que tenha sido um dia feliz. Terei recebido os presentes que esperava e terei aproveitado um dia de sol (como é normal acontecer a 15 de Setembro, em Lisboa) ao lado de todos aqueles que eram importantes no meu pequeno mundo. E isso bastava para, do alto das certezas dos meus 7 anos, me sentir a menina mais feliz do mundo. Faz parte e é bom.

Aos 7 anos, numa vida feliz, tudo ainda são sonhos, esperanças e promessas. Aos 7 anos, numa vida feliz, ainda não descobrimos a angústia, a desilusão e o vazio. Ainda bem! Há muito tempo até começarem a nascer as primeiras borbulhas e as primeiras dúvidas (curiosamente, geralmente, vêm de mãos dadas). Muito tempo até nos exigirem escolhas tão determinantes como: o que é que queres fazer na vida (!). Mas mesmo o muito tempo (7 mais 7 são 14 e, portanto, o muito tempo é, afinal, o dobro daquele que então tínhamos vivido) é sempre pouco tempo.
A Catarina faz hoje 7 anos. Está a aprender a escrever e está a aprender a contar. Para ela a escola ainda é uma ilusão, cheia de magia: o sítio onde vai aprender todas as coisas e onde vai encontrar as respostas a todas as suas mil perguntas. Para ela a felicidade, felicidade plena, é ter-nos – a família mais próxima – com ela no dia dos anos. (Ao mesmo tempo, tão pouco para se pedir e tanto para se dar). Para ela basta a certeza de que nós a amamos para ser feliz. E dar-lhe essa certeza é (ainda) tão simples! E vê-la aos 7 anos é recordar que todos nós fizemos 7 anos um dia. Todos nós acreditámos que a escola era a ilusão. Todos nós achámos que a felicidade era uma coisa fácil de vivenciar. Todos nós sentimos, nas mais pequenas coisas, que éramos amados e isso bastava.
A Catarina faz hoje 7 anos e o que eu lhe posso dizer, tendo 4 vezes 7 mais alguma coisa, é para aproveitar bem a infância. Ela passa rápido – demasiado rápido – e depois nunca mais a vida será vivida de uma forma tão simples e, ao mesmo tempo, tão sábia. A Catarina que tenha agora todas as certezas, porque, de facto, elas são a base de uma infância feliz, mas que não as leve para a idade adulta – devem ficar arrumadas, juntamente com os brinquedos cansados de tantos anos de brincadeiras, como uma bela memória dos tempos que foram. A Catarina que tenha agora todos os sonhos e todas as esperanças e que não os deixe, nunca, ficarem curtos de mais para o seu tamanho. Esses sim devem ser levados para a adolescência e para a vida adulta, para que se mantenha sempre a mesma curiosidade de continuar a perguntar, de continuar a não saber tudo e de continuar a sentir o encantamento pela vida e pelo mundo. Porque nada no nosso mundo é plano (há a esfera para além do círculo) e em qualquer idade há espaço e há tempo para a descoberta, para o fascínio, para parar e olhar para o mundo com os olhos da criança curiosa que um dia fomos e deixarmo-nos apaixonar por ele. A Catarina que se sinta amada e que faça desse imenso património um seguro para o que virá no futuro: os amores que, infelizmente, não vão correr bem, os desgostos e as desilusões. Porque nunca mais será tão simples sentir e dar amor como é aos 7 anos.
Quantos sonhos cabem em 7 anos de vida? Todos! Parabéns Catarina.

terça-feira, outubro 16, 2012

Alternativa



Custa-me ver as notícias que dão conta do mal-estar na coligação governamental, não pelo que esse mal-estar significa (é muitas vezes da divergência que nasce a melhor solução) mas pelo que isso pode significar para o país, que não pode ir para eleições, nem pode perder a credibilidade externa garantida apenas pela estabilidade e pelo amplo consenso político. 

O orçamento é mau? É. O aumento de impostos merece todos aqueles nomes que lhe atribuíram? Merece. A inflexibilidade demonstrada pelo Ministro das Finanças é um mau sinal? É. 

Mas... é solução esticar a corda até a rebentar? Não. Precisamos de gente responsável que saiba que, neste momento, Portugal precisa de ter um Orçamento aprovado que satisfaça as exigências da Troika. Precisamos de um governo que se mostre capaz de liderar as reformas de que o país, desesperadamente, precisa. Precisamos de governantes com a fibra necessária para aguentarem a pressão das ruas, sem se desviarem daquele que deve ser o seu caminho: a reforma do Estado e a consolidação orçamental (sim, uma sem a outra de nada valeria). Precisamos de partidos responsáveis e à altura das suas obrigações (e aqui não falo apenas do PSD e do CDS, mas sobretudo do PS, que não se pode esquecer do que assinou em Maio passado e passar ao lado de tudo o que estamos a viver assobiando para o ar.) Precisamos de um governo que se mostre empenhado, determinado mas também flexível no que toca a encontrar melhores soluções.

Como observadora externa, parece-me a mim – como a muita gente – que o esforço do lado da despesa deveria ser maior. Mas será que isso seria menos duro do que fazer o ajustamento pelo lado da receita? Se calhar não. Porque as gorduras do Estado, quando se vão a ver de perto, são órgãos que, afinal, todos parecem considerar vitais. Não se pode falar de privatizações (TAP, CGD, RTP, etc). Não se pode falar em repensar os serviços públicos (desde logo saúde e educação que não podem continuar a ser tendencialmente gratuitas). Não se pode falar em reduzir a máquina da Administração Pública (com os necessários ajustamentos nos seus funcionários). Não se pode falar em reformar, verdadeiramente, a Segurança Social introduzindo verdadeira liberdade de escolha. 

E é por isso, por esse caminho ser difícil e se deparar com múltiplas dificuldades, que se opta pelo aumento brutal dos impostos. O CDS não gosta? Claro que não gosta! Não poderia gostar. Mas e agora? O que fazer? Só vejo um caminho: ser consequente e apresentar aquilo que o Ministro Gaspar pediu: propostas sérias e consequentes de cortes na despesa. É isso que eu espero dos deputados que ajudei a eleger. E à maioria, só peço que demonstre a flexibilidades, a maturidade e a seriedade que se exige aos nossos governantes e representantes. Sobretudo em tempos difíceis.

"No taxation without representation"

Que era mau já se sabia. Que é inalterável descobrimos ontem.

E isso é, na minha opinião, bem mais grave do que ser mau. Porque um Orçamento mau, melhora-se. Um Orçamento que é apresentado no Parlamento com o aviso de que esse mesmo Parlamento não lhe pode mexer, é péssimo. E é péssimo porque, de caminho, não apenas assume a sua própria inflexibilidade como faz tábua rasa do princípio da aprovação parlamentar do Orçamento do Estado.

Curioso é perceber que, na génese do liberalismo político, está, precisamente, o princípio que determina "no taxation without representation". Foi isto mesmo que, ao longo dos anos, se tornou a pedra de toque da aprovação dos Orçamentos pelos Parlamentos. Principalmente, porque a tributação tem sempre que passar pelo crivo Parlamentar - os representantes do povo. Assim o determina a separação de poderes e a responsabilização efectiva do poder executivo perante os Parlamentos.

Por isso mesmo, ao Parlamento não pode, nunca, ser imposta uma proposta fechada. Tem que ser apresentada uma proposta que, depois de analisada e discutida na especialidade, pode (e deve) sofrer alterações. Isto é a democracia a funcionar e isto mesmo é determinado pelos nossos princípios constitucionais.

Os deputados do PSD e do CDS ao exigirem isto, estão apenas a exigir o mínimo: uma discussão aberta e a possibilidade de melhorar uma proposta do Governo que terá, pelas regras constitucionais, que se transformar em Lei votada e aprovada pelo Parlamento. Nada mais normal e nada mais elementar em democracia.


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Nota: Na política (como na vida) a inflexibilidade não é qualidade que se deva cultivar. Até a natureza nos ensina que o que é rígido parte. O que é flexível adapta-se.

Esquecimento

Não é que sirva de consolo. Mas pelo menos que nunca nos esqueçamos disto. Porque o esquecimento é o primeiro passo para a reincidência. 

E convém recordar que a "cura" que nos é agora apresentada por alguns é apenas mais da mesma receita de ruína. E seria aplicada, exactamente, pelos menos que foram, ontem, os executores da delapidação do nosso património.

Não estou (nem pretendo) com isto defender um Orçamento do Estado que, na verdade, desconheço. Não pretendo, sequer, defender que o caminho traçado pelo Governo seja o único possível e que não seja necessária uma negociação - em sede parlamentar - do Orçamento. Pretendo apenas recordar o que nos trouxe aqui: a dívida pública que duplicou em 5 anos e que agora temos que pagar.

E disso, não há fuga possível. Porque as dívidas são, efectivamente, para serem pagas.


segunda-feira, outubro 15, 2012

How I wish you were here



So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue sky's from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
And how we found
The same old fears.
Wish you were here.

As leis


Como, decerto, em muitos outros países um dos problemas de Portugal são as leis. Lamento dizer isso, depois de ter passado 5 anos da minha vida a estudá-las, e mais outros tantos a usá-las, mas começo a ser forçada a concluir isso mesmo.

Vejamos. Em Portugal,  há vários tipos de leis:

- as que foram feitas para não serem cumpridas e a que todos fecham os olhos (lembro-me das leis de protecção ambiental, que só servem mesmo para impor restrições ao cidadão comum mas que, constantemente, “caem” quando se fala de grandes projectos – caso Freeport, por exemplo);

- as que foram feitas para proteger determinados interesses de classe, de grupo ou de agremiação (lembro-me da lei aplicável às equivalências);

- as que foram feitas sem qualquer razão aparente, sem justifição e sem sentido (bem, aqui haveria milhentos exemplos, e qualquer cidadão que tenha o mais pequeno contacto com o universo jurídico sabe bem do que falo);

- as que deveriam existir e pura e simplesmente não interessam a ninguém (por exemplo, um limite legal para o endividamento do Estado, sei lá!)

Pois bem, o problema é mesmo das leis. As que não se cumprem e que deveriam ser cumpridas. As que se cumprem e nunca deveriam ter sido aprovadas. As que se impõem, não tendo qualquer razão de ser. E as que deviam existir mas ninguém as quer fazer. E isto, meus caros, isto é o atraso português

O atraso dos cidadãos que são impedidos de seguirem com a sua vida, desenvolverem os seus projectos, fazerem os seus investimentos, porque há toda uma gincana de leis, regulamentos, regras e despachos que tem que ser ultrapassada ou contornada. No caminho, vários desistem. Outros vão fazer o que queriam para outras paragens, onde a legislação é mais amiga do investimento, do trabalho e da iniciativa.

O atraso dos projectos que são aprovados contra a lei, apenas porque há interesses injustificáveis que, afinal, o justificam. Construir um centro comercial em zona protegida? Pois claro! Construir uma barragem em local de património classificado? Siga! Porque não? Há milhões a correr, a economia a crescer e, dizem as más línguas, alguns bolsos a encherem-se.

O atraso do “amiguismo” e da “cunha” que muitas vezes tem consagração legal, porque a lei, que aprendi ser geral e abstracta, às vezes é feita a régua e esquadro para se aplicar apenas a um universo restrito e, a este, garantir o que, de outro modo, seria impossível, inaceitável e, em muitos casos, pouco ético.

O atraso de se criar um emaranhado tal de leis, regulamentos, despachos, ofícios e tudo o mais que o Estado deita cá para fora de forma veloz, e que estrangula tudo pelo caminho. Temos o magnífico exemplo da ASAE, com todas as suas regras absurdas que, afinal, e pasme-se (!), não foram importadas da Europa mas são invenção nacional. (Basta viver em Bruxelas para perceber que a ASAE entrava aqui e seria o fim de todo e qualquer restaurante ou bar belga).

O atraso de não se regular o que seria fundamental em qualquer estado de direito democrático, sejam os limites a que o poder político está sujeito (e estes não deveriam ter que ser impostos de Bruxelas), seja a responsabilização desse mesmo poder político perante a lei.

E é por isto que chegámos onde chegámos no atraso, na impunidade, na irresponsabilidade, na falta de vontade de fazer alguma coisa diferente. É por isso que esse mesmíssimo Estado, que tantas vezes foi burlado e saqueado, continua a permitir a impunidade de quem o fez e de quem o permitiu.

Parafraseando a famosa expressão de Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso problema é tudo o que sendo ilegal se pode, afinal, fazer, e tudo o que não se pode fazer mas que deveria ser legal.