domingo, dezembro 30, 2012

Incongruências(zinhas)

A pensar como são todos tão liberais e tão apologistas de um Estado "enxuto" até que os cortes atinjam a sua "paróquia". 

Sim, refiro-me aos apelos para um levantamento do "Norte" contra o centralismo de Lisboa, usando como argumentos a privatização da ANA, os cortes na subvenção à Casa da Música e, até, imagine-se (!) a transferência da realização dessa referência da cultura nacional que é a Praça da Alegria (whatever that is) para Lisboa.

Nada tenho contra a regionalização e nada tenho a favor do centralismo. Acho, até, que o país só teria a ganhar em ter  mais do que um "centro". Mas há momentos em que se exigia um pouco mais de ambição e que não ficássemos, sistematicamente, pelo óbvio e pelo pequenino. Se o Porto quer dinamizar uma região Norte economicamente forte, politicamente credível e culturalmente relevante, é melhor começar a pensar além da Praça da Alegria.

domingo, dezembro 23, 2012

Para ler

"Após a British Airways ter sido totalmente privatizada, os britânicos deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e o Reino Unido entrou em colapso. Após a Lufthansa ter sido quase totalmente privatizada, os alemães deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Alemanha entrou em colapso. Após a Swissair ter aberto falência, os suíços deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Suíça entrou em colapso. Etc. 
Precedentes não faltam, e todos apontam o mesmo caminho: a TAP, bandeira, orgulho e estratégia, não pode ser desbaratada. Custe o que custar. Convém dizer que custa um bocadinho, e que, a acrescer à dívida acumulada de 1500 milhões, o Estado recentemente investiu 100 milhões na empresa. Em breve, haverá outros investimentos similares, financiados com prazer pelo contribuinte, o qual, com a dignidade e a ausência de alternativas que se lhe reconhecem, será o último a abandonar o navio, leia-se o avião, leia-se um símbolo maior das alturas a que conseguimos chegar.
Tudo somado, porém, é pequeno o preço da grandeza nacional. Entregar a TAP ao cuidado de estranhos equivaleria a privar-nos de uma das nossas principais referências identitárias, que como se sabe é das coisas que nos dá imenso jeito. Além disso, para efeitos estritamente aeronáuticos ficaríamos entregues à vontade de esquemas concorrenciais, ao desnorte dos mercados, talvez até às companhias low-cost, cujas tarifas baixíssimas e ausência de patrocínio fiscal não podem augurar nada de bom. 
De resto, mesmo os materialistas de serviço podem sossegar: a TAP, conforme inúmeras vozes esclarecidas se fartaram de avisar, é facilmente rentável. Decerto é por isso que, em obediência aos mistérios da economia aplicada, ninguém a quer comprar. E é por isso que nunca a deveremos vender. Por enquanto, a recusa da proposta do sr. Efromovich livrou-nos de semelhante desdita. Mas importa permanecermos atentos a futuras tentativas de alienação do património público, da TAP à ANA, da CP aos CTT, da RTP à CGD, da REN às Águas, da maternidade Alfredo Nãoseiquantos à Empresa Geral do Fomento. O indispensável é que o interesse nacional não acabe em mãos privadas e devotadas ao sinistro lucro. O interesse nacional é o prejuízo."

Por Alberto Gonçalves, no DN

quinta-feira, dezembro 20, 2012

Privatização da TAP, a versão racional

Quem se tem manifestado contra a privatização da TAP tem centrado os seus argumentos em questões circunstanciais (este processo em concreto) e em questões de fundo. Sobre o processo que agora falhou, nada tenho a dizer. Porém, quanto às questões de fundo, a conversa já é outra. 

Aqueles que se opõem à privatização, defendem que Portugal deve continuar a ter uma companhia de bandeira por tal ser estratégico para o país. Ainda hoje, um deputado do PCP (!) dizia que "o fim deste processo, o anunciado cancelamento da privatização da TAP, é desde logo uma vitória da dignidade, da coragem e da firmeza dos trabalhadores da TAP e de todos aqueles que naquele país lutaram e continuam a lutar em defesa da companhia aérea de bandeira do nosso país".
  
Pois bem, a ver se nos entendemos, uma companhia de bandeira, é uma empresa que goza de certos direitos de preferência ou privilégios, concedidos pelo governo, para as suas operações internacionais. Pode ter também especiais deveres impostos pelo governo do Estado onde se encontra registada, relativos à prestação de serviços público (obrigatoriedade de assegurar certas rotas, por exemplo). Uma companhia de bandeira pode ser detida pelo Estado ou por privados. Vejamos.

Quando ouvimos falar da British Airways ou da Lufhtansa, não deixaremos, de imediato, de as associar ao Reino Unido e à Alemanha, respectivamente. Porém, os governos destes Estados não detém uma única acção destas companhias e elas não representam qualquer custo para os contribuintes. Também ninguém hesitará em definir a Air France, a Iberia ou a KLM como as companhias de bandeira francesa, espanhola e holandesa, pese embora as participações dos respectivos Estados sejam muito minoritárias.

Para além disso, estas companhias não são apenas empresas viáveis, como a sua necessidade de lucro (óbvio) não fez com que os preços subissem. Bem pelo contrário. (A título de exemplo, posso dizer com pleno conhecimento de causa, que, por mistérios certamente insondáveis, é mais barato voar de Bruxelas para Lisboa com a Iberia, com a KLM ou com a Lufhtansa do que com a TAP).

Como se vê, não é preciso a TAP ser paga pelos contribuintes (ao mesmo tempo que se afunda num passivo milionário) para que continuemos a ter uma "companhia de bandeira". A bandeira de Portugal continuará a voar nos aviões da TAP, seja ela privatizada ou não. Tudo dependerá, de facto, do governo português e das condições da privatização.

Quanto à TAP ser um activo nacional, acho que o seu passivo acumulado de 1000 milhões de euros fala por si e não será preciso dizer mais uma palavra.

Hoje o Conselho de Ministros decidiu não aceitar a proposta apresentada para adjudicação da privatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A., dando por sem efeito a operação em curso". Esperemos que tão depressa quanto possível seja lançado novo concurso e a TAP seja, efectivamente, privatizada.

Privatização da TAP, a versão "apaixonada"

Uma companhia aérea detida pelo Estado, nos tempos que correm, lamento dizer, é um luxo. E um luxo que Portugal não pode pagar. Mais, sendo essa companhia a TAP, é um luxo que além de sair muito caro aos contribuintes, não serve os seus passageiros (atrasos sistemáticos, falta de informação, preços completamente proibitivos, etc...), viola as regras europeias de direito da concorrência (a TAP está neste momento a ser investigada pela Comissão Europeia por cartelização) e não representa, de facto, um serviço público (se o prestasse, os bilhetes para as Ilhas, por exemplo, não custariam mais de 300 euros!).

Por isso mesmo, considero que a TAP tem que ser privatizada. Tem que ter uma gestão eficiente ou, caso continue a dar prejuízo, ir à falência como tantas outras antes dela.

Confesso que sou pessoalmente sensível ao tema. Não gosto da TAP e tenho inúmeras razões de queixa desta companhia. Por isso mesmo, tomei a decisão de, nos próximos tempos, não voltar a voar com a TAP. Não é sem pena que a tomo (porque tenho este hábito de privilegiar o que é nosso), mas não será, decerto falta de patriotismo escolher outras empresas em detrimento de uma companhia aérea que tão pouco respeito demonstra pelos direitos dos passageiros, pelas regras da concorrência e pelo dinheiro dos contribuintes.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

Da liberdade artística




Nada tenho contra a liberdade artística. Bem pelo contrário. Gosto da ousadia de quem desafia os canônes e reinventa a realidade com as suas cores. Só isso poderia justificar o meu gosto, por exemplo, pela pintura de Dali.

Porém, como em tudo na vida, há liberdades que correm mal. A última com a qual me deparei foi a nova versão da história de Leon Tolstoi, Anna Karenina, por Joe Wright. Esta nova versão do clássico tinha, à partida, tudo para correr bem: ao ser a enésima versão em cinema da história da paixão de Anna por Vronsky, o filme podia permitir-se, de facto, todas as liberdades artísticas que se possam encontrar na paleta da realização. 

No entanto, este Anna Karenina é um tremendo desapontamento. Em tudo o que Joe Wright procurou inovar, falhou. Em tudo o que tentou um golpe de génio, ficou aquém. Não se percebe o porquê de toda a acção se passar num teatro (?) e por momentos temi que a grande obra da literatura fosse transformada num musical de gosto duvidoso. (Para além de eu estar a desenvolver uma embirração crescente com Keira Knightley, que neste filme está, manifestamente, fora de tom). Tudo é exagero (começando pela personagem que dá nome ao filme) e a história é pouco explicada. O realizador parte do pressuposto que todos os que virem o filme leram o livro, mas tal é premissa errada para qualquer tentativa cinematográfica. Para mim, este Anna Karenina é um falhanço absoluto (e talvez por isso não se encontre por entre os nomeados da próxima ronda de prémios que por aí vem).

E ao pensar neste fracasso não posso deixar de o comparar ao Marie Antoinette, o filme de Sofia Coppola sobre a famosa (e infame) Rainha Francesa do mesmo nome, onde a liberdade artística de colocar uns ténis all star no meio do guarda roupa do século XVIII não apenas correu bem como deu, sem dúvida, outra cor à corte francesa, sem perder em credibilidade o que ganhou em bom gosto e ousadia estilística. Onde Marie Antoinette é uma belíssima hipérbole, Anna Karenina é apenas exagero desnecessário e pouco convincente. É pena. Tolstoi merecia melhor.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Os invisíveis

As grandes cidades sempre me fascinaram. O seu caos repleto de gente era uma das características que mais me seduzia. O barulho, as luzes, as pessoas apressadas, a correr de um lado para outro, criavam a confortável percepção de companhia. Podia estar sozinha, de facto, mas sentia-me perfeitamente acompanhada pela cidade atarefada.
Com a idade e com a experiência (aos 30 anos podemos começar a falar assim) percebi que tal não passa de ilusão. A verdade é que todas essas almas com que me cruzo, nas ruas de Lisboa, Bruxelas ou Londres, são estranhos para os quais eu, na verdade, não existo e o meu mundo é algo que não os toca. Posso estar feliz que não terei ninguém a querer saber porque sorrio comigo mesma. Posso estar triste que ninguém me perguntará por quem são as minhas lágrimas. 
E é essa a solidão de quem está rodeado de gente. Pode irritar-me a vida de "bairro" em que a vizinha sabe bem quem eu sou e que se aproxima, curiosa, se pressente alguma novidade. Posso achar penoso ter que responder sempre às mesmas perguntas das velhotas lá do prédio. Mas, por incrível que pareça, isso conta. Isso conforta. Afinal não somos anónimos.  
É a quebra das relações de proximidade nas cidades que conduz, de facto, a uma solidão maior do que a solidão de quem está, verdadeiramente, só. E estar rodeados de gente não passa mesmo de uma tremenda ilusão, já que para toda essa "gente" nós somos absolutamente indiferentes. Invisíveis.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

We'll always have Paris

Depois de este fim-de-semana ter, pela primeira vez, atravessado de carro os subúrbios de Paris, começo a duvidar da frase título deste post.


Hoje já existem em Paris duas cidades distintas. Os bairros do centro, que cheiram a Chanel #5 e nos fazem experienciar o tal chique parisiense e a cultura que extravasa as paredes dos museus e invade a cidade, e a periferia pobre, composta essencialmente por imigrantes social e culturalmente excluídos. Não me espantaria que, dentro de alguns anos, Paris já pouco tenha daquilo que hoje forma o nosso imaginário colectivo do que é a cidade das luzes. E é pena.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Argo


Um bom filme que conta uma história extraordinária: como foi possível fazer sair do Irão, em 1980, 6 diplomatas americanos, usando uma estratégia de enganos e de identidades falsas.

Uma história real com todos os ingredientes e contornos de um excelente filme de acção e suspense.

Vale a pena ir ler a história, tal como foi publicada em 2007, e, já agora, ir ver o filme.

quinta-feira, dezembro 06, 2012

A mulher de César

Não sofro de preconceitos ideológicos contra a prestação de serviços por privados. Aliás, se de algum preconceito ideológico sofro é daquele que me leva a acreditar que, tendencialmente, os privados são mais eficazes e mais eficientes, pelo que os prefiro.

Na educação, já aqui dei conta do que penso e da forma como entendo que os privados podem e devem ser integrados na rede do serviço público de educação. Assim sendo, por princípio, nada tenho contra os contratos de associação (contratos através dos quais o Estado paga a privados para estes prestarem um serviço público que o Estado (administração educativa) não pode - ou não quer - prestar). Parece, até, que, em muitos casos, os contratos de associação saem mais baratos ao Estado do que a escola dita pública. Só por isso já seria positivo que existissem e que se multiplicassem.

Porém, a história não é assim tão simples. Afinal, em Portugal, nada é assim tão simples.

Hoje, através desta notícia do Público ficamos a saber que: "O Grupo GPS, criado em 2003, é liderado pelo ex-deputado socialista António Calvete e tem contado com a colaboração de figuras de destaque tanto do PS, como do PSD: Foram seus consultores o deputado socialista e antigo secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro; o deputado do PSD e ex-secretário de Estado da Educação, José Canavarro; Paulo Pereira Coelho, ex-secretário de Estado da Administração Local do PSD. Também trabalham para o grupo os ex-directores regionais de Educação de Lisboa e do Centros, respectivamente José Almeida e Linhares de Castro. No desempenho dos seus cargos oficiais, José Canavarro e José Almeida tiveram um papel central na aprovação, em 2005, de contratos de financiamento público a quatro colégios do grupo – Rainha Dona Leonor e Frei Cristóvão, no concelho das Caldas da Rainha, e Miramar e Santo André, em Mafra. Nas Caldas da Rainha aqueles colégios continuam a ter financiamento do Estado apesar das escolas públicas existentes terem muitas vagas para oferecer, uma situação que tem sido contestada por professores e directores destes estabelecimentos."

Ora, uma realidade que poderia ser boa e vantajosa em si mesma (para o Estado, para as famílias e para os alunos), acaba por se tornar um negócio de contornos pouco claros em que, mais uma vez, a promiscuidade entre os "privados" e o poder político, no mínimo, cria uma imagem de pouca seriedade.

E em política já todos sabemos que à mulher de César não basta ser séria. É preciso parecer.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Let it snow

A minha relação com a neve é qualquer coisa de inexplicável. É uma verdadeira dualidade de sentimentos que me atinge de forma particularmente aguda. Passo a explicar.

Naquele exacto momento em que começa a nevar, e eu sinto os flocos a baterem-me nas pestanas, não há como evitar um sentimento de genuína alegria. Rio-me, ainda que sozinha. Pareço uma criança, feliz com o seu globo de neve, privado e real. Gosto de a sentir, de lhe tocar, de a ver a derreter, devagar, em contacto com a pele quente. Se estou em casa, e vejo a neve a pintalgar a árvore que me esconde a janela, é quase paz aquilo que sinto. A neve a cair tem um estranho efeito tranquilizador. Talvez seja a sua serena cadência, o seu branco exemplar, o facto de, ao contrário da chuva, ser silenciosa. Acordar e ver uma cidade pintada de branco é uma experiência de paz inigualável.

Mas há o reverso da medalha...

A calma e a serenidade da neve branca nada tem que ver com o caos por ela causado. Os aviões que atrasam. Os autocarros que não andam. Os táxis que não existem. A cidade, caótica na sua incapacidade de viver a neve, pára num uníssono de buzinas e de gente irritada, que escorrega e cai. E, ao fim de algumas horas, o branco dá lugar a uma amálgama preta, mistura de gelo com poluição e óleo, que suja as ruas e estraga todo o efeito bucólico do fenómeno. E é, precisamente, aí que eu me irrito com os atrasos, com as dificuldades e com as pessoas mal dispostas.

E é nesta absoluta dualidade de calma e caos, de pureza e de sujidade, que se encontra a minha incapacidade de conciliar as diferentes sensações causadas pela neve. Amo e odeio. Gosto do fenómeno em si, mas detesto as suas consequências na vida prática.

Porém, não consigo evitar o sorriso ao primeiro nevão do ano. Como não consigo não gostar dos domingos pintados de neve e da minha árvore branca a espreitar-me, pacificamente, pela janela.

domingo, dezembro 02, 2012

To Rome with Love e as suas duas críticas





Sou fã confessa de Woody Allen. Já vi filmes dele absolutamente geniais e outros que são apenas bons, mas nunca tinha saido do cinema com a sensação de desilusão. Mesmo quando não enamorava, quando não encantava ou quando não nos deixava esmagados, Woody Allen não desapontava. Para além disso, enquadro-me no grupo daqueles fãs menos "puristas", pelo que o aprecio mesmo quando ele deriva de si próprio. Aconteceu assim  com o inesperado Vicky Cristina Barcelona e, em particular, com o fabuloso e encantador Midnight in Paris.

As expectativas estavam, por isso mesmo, colocadas lá em cima para o seu último To Rome with Love. Mais uma vez, Woody Allen juntava o seu argumento a um elenco de luxo e a uma cidade apaixonante. Receita para um sucesso garantido. Aguardei com especial ansiedade a estreia do filme e quando, finalmente, o fui ver, em finais de Setembro, saí do cinema desapontada. Esperava tão mais daquele filme, que o seu conjunto de histórias quase banais e previsíveis não me conseguiu envolver por um só momento. Achei que era um filmezinho construído sobre clichés e que, salvo alguns diálogos de Baldwin e Eisenberg, nada tinha de um verdadeiro Woody Allen. Ou seja, a deriva tinha sido tão grande que o produto final ficava na terra de ninguém.


Senti-me triste por me sentir desiludida com um realizador de que gosto. Bem sei que é inútil e pretensiosa esta tentativa de proteger aqueles que admiramos das nossas desilusões pessoais, mas parece-me uma característica inevitável da natureza humana. Ou pelo menos da minha. Por isso, sinto-me sempre tão desconfortável quando alguém que eu admiro e em cujo trabalho coloco tanta "fé", seja um realizador, seja ou autor, seja um político, seja um músico, faz alguma coisa que não está à altura dos seus melhores trabalhos. Sem perceber que o problema está em mim, e nas minhas elevadas expectativas, e não no objecto da minha admiração que, como humano que é, corre sempre o risco de não estar, em todos os momentos, à altura das suas mais geniais criações. (Talvez por isso haja artistas que nunca se arriscam para além da obra de estreia, porque o medo da desilusão alheia funciona como bloqueio criativo).

Porém, aqui há umas semanas, criou-se a oportunidade para voltar a ver o To Rome with Love. Parti do meu desapontamento e, com ele, consegui ver para além do óbvio e perceber, que afinal, há pequenas nuances de génio (a história do cantor de ópera), há fragmentos de história encantadores (a ligação criada entre o arquitecto mais velho e o jovem estudante) e outros absolutamente certeiros (a crítica acutilante ao mundo da fama instantânea dos reality shows e seus derivados). Continua a não ser o melhor trabalho da carreira de Woody Allen (não será, sequer, o melhor dos últimos anos), mas quando a expectativa já era apenas a de uma tremenda desilusão, foi possível ver para além do óbvio e deixar-me seduzir pelos pequenos detalhes. E se é verdade que Deus está nos detalhes, então, também nesta obra menor de um autor maior há qualquer coisa de "divino".