domingo, dezembro 30, 2012

Incongruências(zinhas)

A pensar como são todos tão liberais e tão apologistas de um Estado "enxuto" até que os cortes atinjam a sua "paróquia". 

Sim, refiro-me aos apelos para um levantamento do "Norte" contra o centralismo de Lisboa, usando como argumentos a privatização da ANA, os cortes na subvenção à Casa da Música e, até, imagine-se (!) a transferência da realização dessa referência da cultura nacional que é a Praça da Alegria (whatever that is) para Lisboa.

Nada tenho contra a regionalização e nada tenho a favor do centralismo. Acho, até, que o país só teria a ganhar em ter  mais do que um "centro". Mas há momentos em que se exigia um pouco mais de ambição e que não ficássemos, sistematicamente, pelo óbvio e pelo pequenino. Se o Porto quer dinamizar uma região Norte economicamente forte, politicamente credível e culturalmente relevante, é melhor começar a pensar além da Praça da Alegria.

domingo, dezembro 23, 2012

Para ler

"Após a British Airways ter sido totalmente privatizada, os britânicos deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e o Reino Unido entrou em colapso. Após a Lufthansa ter sido quase totalmente privatizada, os alemães deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Alemanha entrou em colapso. Após a Swissair ter aberto falência, os suíços deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Suíça entrou em colapso. Etc. 
Precedentes não faltam, e todos apontam o mesmo caminho: a TAP, bandeira, orgulho e estratégia, não pode ser desbaratada. Custe o que custar. Convém dizer que custa um bocadinho, e que, a acrescer à dívida acumulada de 1500 milhões, o Estado recentemente investiu 100 milhões na empresa. Em breve, haverá outros investimentos similares, financiados com prazer pelo contribuinte, o qual, com a dignidade e a ausência de alternativas que se lhe reconhecem, será o último a abandonar o navio, leia-se o avião, leia-se um símbolo maior das alturas a que conseguimos chegar.
Tudo somado, porém, é pequeno o preço da grandeza nacional. Entregar a TAP ao cuidado de estranhos equivaleria a privar-nos de uma das nossas principais referências identitárias, que como se sabe é das coisas que nos dá imenso jeito. Além disso, para efeitos estritamente aeronáuticos ficaríamos entregues à vontade de esquemas concorrenciais, ao desnorte dos mercados, talvez até às companhias low-cost, cujas tarifas baixíssimas e ausência de patrocínio fiscal não podem augurar nada de bom. 
De resto, mesmo os materialistas de serviço podem sossegar: a TAP, conforme inúmeras vozes esclarecidas se fartaram de avisar, é facilmente rentável. Decerto é por isso que, em obediência aos mistérios da economia aplicada, ninguém a quer comprar. E é por isso que nunca a deveremos vender. Por enquanto, a recusa da proposta do sr. Efromovich livrou-nos de semelhante desdita. Mas importa permanecermos atentos a futuras tentativas de alienação do património público, da TAP à ANA, da CP aos CTT, da RTP à CGD, da REN às Águas, da maternidade Alfredo Nãoseiquantos à Empresa Geral do Fomento. O indispensável é que o interesse nacional não acabe em mãos privadas e devotadas ao sinistro lucro. O interesse nacional é o prejuízo."

Por Alberto Gonçalves, no DN

quinta-feira, dezembro 20, 2012

Privatização da TAP, a versão racional

Quem se tem manifestado contra a privatização da TAP tem centrado os seus argumentos em questões circunstanciais (este processo em concreto) e em questões de fundo. Sobre o processo que agora falhou, nada tenho a dizer. Porém, quanto às questões de fundo, a conversa já é outra. 

Aqueles que se opõem à privatização, defendem que Portugal deve continuar a ter uma companhia de bandeira por tal ser estratégico para o país. Ainda hoje, um deputado do PCP (!) dizia que "o fim deste processo, o anunciado cancelamento da privatização da TAP, é desde logo uma vitória da dignidade, da coragem e da firmeza dos trabalhadores da TAP e de todos aqueles que naquele país lutaram e continuam a lutar em defesa da companhia aérea de bandeira do nosso país".
  
Pois bem, a ver se nos entendemos, uma companhia de bandeira, é uma empresa que goza de certos direitos de preferência ou privilégios, concedidos pelo governo, para as suas operações internacionais. Pode ter também especiais deveres impostos pelo governo do Estado onde se encontra registada, relativos à prestação de serviços público (obrigatoriedade de assegurar certas rotas, por exemplo). Uma companhia de bandeira pode ser detida pelo Estado ou por privados. Vejamos.

Quando ouvimos falar da British Airways ou da Lufhtansa, não deixaremos, de imediato, de as associar ao Reino Unido e à Alemanha, respectivamente. Porém, os governos destes Estados não detém uma única acção destas companhias e elas não representam qualquer custo para os contribuintes. Também ninguém hesitará em definir a Air France, a Iberia ou a KLM como as companhias de bandeira francesa, espanhola e holandesa, pese embora as participações dos respectivos Estados sejam muito minoritárias.

Para além disso, estas companhias não são apenas empresas viáveis, como a sua necessidade de lucro (óbvio) não fez com que os preços subissem. Bem pelo contrário. (A título de exemplo, posso dizer com pleno conhecimento de causa, que, por mistérios certamente insondáveis, é mais barato voar de Bruxelas para Lisboa com a Iberia, com a KLM ou com a Lufhtansa do que com a TAP).

Como se vê, não é preciso a TAP ser paga pelos contribuintes (ao mesmo tempo que se afunda num passivo milionário) para que continuemos a ter uma "companhia de bandeira". A bandeira de Portugal continuará a voar nos aviões da TAP, seja ela privatizada ou não. Tudo dependerá, de facto, do governo português e das condições da privatização.

Quanto à TAP ser um activo nacional, acho que o seu passivo acumulado de 1000 milhões de euros fala por si e não será preciso dizer mais uma palavra.

Hoje o Conselho de Ministros decidiu não aceitar a proposta apresentada para adjudicação da privatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A., dando por sem efeito a operação em curso". Esperemos que tão depressa quanto possível seja lançado novo concurso e a TAP seja, efectivamente, privatizada.

Privatização da TAP, a versão "apaixonada"

Uma companhia aérea detida pelo Estado, nos tempos que correm, lamento dizer, é um luxo. E um luxo que Portugal não pode pagar. Mais, sendo essa companhia a TAP, é um luxo que além de sair muito caro aos contribuintes, não serve os seus passageiros (atrasos sistemáticos, falta de informação, preços completamente proibitivos, etc...), viola as regras europeias de direito da concorrência (a TAP está neste momento a ser investigada pela Comissão Europeia por cartelização) e não representa, de facto, um serviço público (se o prestasse, os bilhetes para as Ilhas, por exemplo, não custariam mais de 300 euros!).

Por isso mesmo, considero que a TAP tem que ser privatizada. Tem que ter uma gestão eficiente ou, caso continue a dar prejuízo, ir à falência como tantas outras antes dela.

Confesso que sou pessoalmente sensível ao tema. Não gosto da TAP e tenho inúmeras razões de queixa desta companhia. Por isso mesmo, tomei a decisão de, nos próximos tempos, não voltar a voar com a TAP. Não é sem pena que a tomo (porque tenho este hábito de privilegiar o que é nosso), mas não será, decerto falta de patriotismo escolher outras empresas em detrimento de uma companhia aérea que tão pouco respeito demonstra pelos direitos dos passageiros, pelas regras da concorrência e pelo dinheiro dos contribuintes.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

Da liberdade artística




Nada tenho contra a liberdade artística. Bem pelo contrário. Gosto da ousadia de quem desafia os canônes e reinventa a realidade com as suas cores. Só isso poderia justificar o meu gosto, por exemplo, pela pintura de Dali.

Porém, como em tudo na vida, há liberdades que correm mal. A última com a qual me deparei foi a nova versão da história de Leon Tolstoi, Anna Karenina, por Joe Wright. Esta nova versão do clássico tinha, à partida, tudo para correr bem: ao ser a enésima versão em cinema da história da paixão de Anna por Vronsky, o filme podia permitir-se, de facto, todas as liberdades artísticas que se possam encontrar na paleta da realização. 

No entanto, este Anna Karenina é um tremendo desapontamento. Em tudo o que Joe Wright procurou inovar, falhou. Em tudo o que tentou um golpe de génio, ficou aquém. Não se percebe o porquê de toda a acção se passar num teatro (?) e por momentos temi que a grande obra da literatura fosse transformada num musical de gosto duvidoso. (Para além de eu estar a desenvolver uma embirração crescente com Keira Knightley, que neste filme está, manifestamente, fora de tom). Tudo é exagero (começando pela personagem que dá nome ao filme) e a história é pouco explicada. O realizador parte do pressuposto que todos os que virem o filme leram o livro, mas tal é premissa errada para qualquer tentativa cinematográfica. Para mim, este Anna Karenina é um falhanço absoluto (e talvez por isso não se encontre por entre os nomeados da próxima ronda de prémios que por aí vem).

E ao pensar neste fracasso não posso deixar de o comparar ao Marie Antoinette, o filme de Sofia Coppola sobre a famosa (e infame) Rainha Francesa do mesmo nome, onde a liberdade artística de colocar uns ténis all star no meio do guarda roupa do século XVIII não apenas correu bem como deu, sem dúvida, outra cor à corte francesa, sem perder em credibilidade o que ganhou em bom gosto e ousadia estilística. Onde Marie Antoinette é uma belíssima hipérbole, Anna Karenina é apenas exagero desnecessário e pouco convincente. É pena. Tolstoi merecia melhor.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Os invisíveis

As grandes cidades sempre me fascinaram. O seu caos repleto de gente era uma das características que mais me seduzia. O barulho, as luzes, as pessoas apressadas, a correr de um lado para outro, criavam a confortável percepção de companhia. Podia estar sozinha, de facto, mas sentia-me perfeitamente acompanhada pela cidade atarefada.
Com a idade e com a experiência (aos 30 anos podemos começar a falar assim) percebi que tal não passa de ilusão. A verdade é que todas essas almas com que me cruzo, nas ruas de Lisboa, Bruxelas ou Londres, são estranhos para os quais eu, na verdade, não existo e o meu mundo é algo que não os toca. Posso estar feliz que não terei ninguém a querer saber porque sorrio comigo mesma. Posso estar triste que ninguém me perguntará por quem são as minhas lágrimas. 
E é essa a solidão de quem está rodeado de gente. Pode irritar-me a vida de "bairro" em que a vizinha sabe bem quem eu sou e que se aproxima, curiosa, se pressente alguma novidade. Posso achar penoso ter que responder sempre às mesmas perguntas das velhotas lá do prédio. Mas, por incrível que pareça, isso conta. Isso conforta. Afinal não somos anónimos.  
É a quebra das relações de proximidade nas cidades que conduz, de facto, a uma solidão maior do que a solidão de quem está, verdadeiramente, só. E estar rodeados de gente não passa mesmo de uma tremenda ilusão, já que para toda essa "gente" nós somos absolutamente indiferentes. Invisíveis.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

We'll always have Paris

Depois de este fim-de-semana ter, pela primeira vez, atravessado de carro os subúrbios de Paris, começo a duvidar da frase título deste post.


Hoje já existem em Paris duas cidades distintas. Os bairros do centro, que cheiram a Chanel #5 e nos fazem experienciar o tal chique parisiense e a cultura que extravasa as paredes dos museus e invade a cidade, e a periferia pobre, composta essencialmente por imigrantes social e culturalmente excluídos. Não me espantaria que, dentro de alguns anos, Paris já pouco tenha daquilo que hoje forma o nosso imaginário colectivo do que é a cidade das luzes. E é pena.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Argo


Um bom filme que conta uma história extraordinária: como foi possível fazer sair do Irão, em 1980, 6 diplomatas americanos, usando uma estratégia de enganos e de identidades falsas.

Uma história real com todos os ingredientes e contornos de um excelente filme de acção e suspense.

Vale a pena ir ler a história, tal como foi publicada em 2007, e, já agora, ir ver o filme.

quinta-feira, dezembro 06, 2012

A mulher de César

Não sofro de preconceitos ideológicos contra a prestação de serviços por privados. Aliás, se de algum preconceito ideológico sofro é daquele que me leva a acreditar que, tendencialmente, os privados são mais eficazes e mais eficientes, pelo que os prefiro.

Na educação, já aqui dei conta do que penso e da forma como entendo que os privados podem e devem ser integrados na rede do serviço público de educação. Assim sendo, por princípio, nada tenho contra os contratos de associação (contratos através dos quais o Estado paga a privados para estes prestarem um serviço público que o Estado (administração educativa) não pode - ou não quer - prestar). Parece, até, que, em muitos casos, os contratos de associação saem mais baratos ao Estado do que a escola dita pública. Só por isso já seria positivo que existissem e que se multiplicassem.

Porém, a história não é assim tão simples. Afinal, em Portugal, nada é assim tão simples.

Hoje, através desta notícia do Público ficamos a saber que: "O Grupo GPS, criado em 2003, é liderado pelo ex-deputado socialista António Calvete e tem contado com a colaboração de figuras de destaque tanto do PS, como do PSD: Foram seus consultores o deputado socialista e antigo secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro; o deputado do PSD e ex-secretário de Estado da Educação, José Canavarro; Paulo Pereira Coelho, ex-secretário de Estado da Administração Local do PSD. Também trabalham para o grupo os ex-directores regionais de Educação de Lisboa e do Centros, respectivamente José Almeida e Linhares de Castro. No desempenho dos seus cargos oficiais, José Canavarro e José Almeida tiveram um papel central na aprovação, em 2005, de contratos de financiamento público a quatro colégios do grupo – Rainha Dona Leonor e Frei Cristóvão, no concelho das Caldas da Rainha, e Miramar e Santo André, em Mafra. Nas Caldas da Rainha aqueles colégios continuam a ter financiamento do Estado apesar das escolas públicas existentes terem muitas vagas para oferecer, uma situação que tem sido contestada por professores e directores destes estabelecimentos."

Ora, uma realidade que poderia ser boa e vantajosa em si mesma (para o Estado, para as famílias e para os alunos), acaba por se tornar um negócio de contornos pouco claros em que, mais uma vez, a promiscuidade entre os "privados" e o poder político, no mínimo, cria uma imagem de pouca seriedade.

E em política já todos sabemos que à mulher de César não basta ser séria. É preciso parecer.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Let it snow

A minha relação com a neve é qualquer coisa de inexplicável. É uma verdadeira dualidade de sentimentos que me atinge de forma particularmente aguda. Passo a explicar.

Naquele exacto momento em que começa a nevar, e eu sinto os flocos a baterem-me nas pestanas, não há como evitar um sentimento de genuína alegria. Rio-me, ainda que sozinha. Pareço uma criança, feliz com o seu globo de neve, privado e real. Gosto de a sentir, de lhe tocar, de a ver a derreter, devagar, em contacto com a pele quente. Se estou em casa, e vejo a neve a pintalgar a árvore que me esconde a janela, é quase paz aquilo que sinto. A neve a cair tem um estranho efeito tranquilizador. Talvez seja a sua serena cadência, o seu branco exemplar, o facto de, ao contrário da chuva, ser silenciosa. Acordar e ver uma cidade pintada de branco é uma experiência de paz inigualável.

Mas há o reverso da medalha...

A calma e a serenidade da neve branca nada tem que ver com o caos por ela causado. Os aviões que atrasam. Os autocarros que não andam. Os táxis que não existem. A cidade, caótica na sua incapacidade de viver a neve, pára num uníssono de buzinas e de gente irritada, que escorrega e cai. E, ao fim de algumas horas, o branco dá lugar a uma amálgama preta, mistura de gelo com poluição e óleo, que suja as ruas e estraga todo o efeito bucólico do fenómeno. E é, precisamente, aí que eu me irrito com os atrasos, com as dificuldades e com as pessoas mal dispostas.

E é nesta absoluta dualidade de calma e caos, de pureza e de sujidade, que se encontra a minha incapacidade de conciliar as diferentes sensações causadas pela neve. Amo e odeio. Gosto do fenómeno em si, mas detesto as suas consequências na vida prática.

Porém, não consigo evitar o sorriso ao primeiro nevão do ano. Como não consigo não gostar dos domingos pintados de neve e da minha árvore branca a espreitar-me, pacificamente, pela janela.

domingo, dezembro 02, 2012

To Rome with Love e as suas duas críticas





Sou fã confessa de Woody Allen. Já vi filmes dele absolutamente geniais e outros que são apenas bons, mas nunca tinha saido do cinema com a sensação de desilusão. Mesmo quando não enamorava, quando não encantava ou quando não nos deixava esmagados, Woody Allen não desapontava. Para além disso, enquadro-me no grupo daqueles fãs menos "puristas", pelo que o aprecio mesmo quando ele deriva de si próprio. Aconteceu assim  com o inesperado Vicky Cristina Barcelona e, em particular, com o fabuloso e encantador Midnight in Paris.

As expectativas estavam, por isso mesmo, colocadas lá em cima para o seu último To Rome with Love. Mais uma vez, Woody Allen juntava o seu argumento a um elenco de luxo e a uma cidade apaixonante. Receita para um sucesso garantido. Aguardei com especial ansiedade a estreia do filme e quando, finalmente, o fui ver, em finais de Setembro, saí do cinema desapontada. Esperava tão mais daquele filme, que o seu conjunto de histórias quase banais e previsíveis não me conseguiu envolver por um só momento. Achei que era um filmezinho construído sobre clichés e que, salvo alguns diálogos de Baldwin e Eisenberg, nada tinha de um verdadeiro Woody Allen. Ou seja, a deriva tinha sido tão grande que o produto final ficava na terra de ninguém.


Senti-me triste por me sentir desiludida com um realizador de que gosto. Bem sei que é inútil e pretensiosa esta tentativa de proteger aqueles que admiramos das nossas desilusões pessoais, mas parece-me uma característica inevitável da natureza humana. Ou pelo menos da minha. Por isso, sinto-me sempre tão desconfortável quando alguém que eu admiro e em cujo trabalho coloco tanta "fé", seja um realizador, seja ou autor, seja um político, seja um músico, faz alguma coisa que não está à altura dos seus melhores trabalhos. Sem perceber que o problema está em mim, e nas minhas elevadas expectativas, e não no objecto da minha admiração que, como humano que é, corre sempre o risco de não estar, em todos os momentos, à altura das suas mais geniais criações. (Talvez por isso haja artistas que nunca se arriscam para além da obra de estreia, porque o medo da desilusão alheia funciona como bloqueio criativo).

Porém, aqui há umas semanas, criou-se a oportunidade para voltar a ver o To Rome with Love. Parti do meu desapontamento e, com ele, consegui ver para além do óbvio e perceber, que afinal, há pequenas nuances de génio (a história do cantor de ópera), há fragmentos de história encantadores (a ligação criada entre o arquitecto mais velho e o jovem estudante) e outros absolutamente certeiros (a crítica acutilante ao mundo da fama instantânea dos reality shows e seus derivados). Continua a não ser o melhor trabalho da carreira de Woody Allen (não será, sequer, o melhor dos últimos anos), mas quando a expectativa já era apenas a de uma tremenda desilusão, foi possível ver para além do óbvio e deixar-me seduzir pelos pequenos detalhes. E se é verdade que Deus está nos detalhes, então, também nesta obra menor de um autor maior há qualquer coisa de "divino".

quinta-feira, novembro 29, 2012

O mito da escola pública

Ontem, numa entrevista que eu não vi, o Primeiro-Ministro terá anunciado aquilo a que já chamaram "o fim da escola pública" (embora um Secretário de Estado já tenha vindo dizer que "é cedo para discutir essa matéria").

Para início de conversa, aqui vai a minha declaração de interesses: nunca trabalhei na área da educação e não tenho conhecimentos ou formação específica sobre o tema. Limito-me a ser alguém que cresceu a ouvir falar (politicamente) de educação e de gestão escolar em casa e que tem uma ou duas ideias sobre serviço público.

Assim sendo, na minha opinião, mais pertinente do que discutir propinas no secundário, seria interessante desfazer, de uma vez por todas, alguns mitos. Desde logo, o mito do serviço público ter que ser prestado, obrigatoriamente pelo Estado, e o mito da gratuitidade dos serviços. Esse é o debate que importa fazer. De caminho, seria bom discutir-se, a sério, o modelo de financiamento na educação, passando o foco das escolas para as famílias.

Quanto à gratuitidade, parece-me que quem quer "salvar a escola pública" tem que começar por perceber que a ideia de esta ser gratuita para todos é (nas actuais circunstâncias) insustentável. Tal como a saúde. O Estado deve, efectivamente, distinguir entre quem pode pagar e quem não pode e deve proteger apenas os últimos. Assim, os serviços públicos apenas deverão ser gratuitos para quem tem menos, e quem pode deve, efectivamente, pagar. É um princípio de elementar justiça, parece-me (mas segundo Jorge Miranda será inconstitucional, como quase tudo o que ajudaria a resolver os problemas do Estado).

Passando a tema mais interessante: o serviço público. Para mim é evidente que a educação é um serviço público. Porém, tal não me leva a entender que tenha que ser prestada, obrigatória e exclusivamente, pelo Estado (nem assim é!). No direito administrativo, aprende-se que é público todo o serviço que, independentemente da natureza jurídica do prestador, contempla bens ou serviços essenciais.

(Simplificando, é, exactamente por isso, que se o Estado resolver fazer chapéus tal não será um serviço público.) Com a escola passa-se o contrário. Eu, que andei numa escola privada, não deixei de ser beneficiária de um serviço público (pelo qual os meus pais pagaram duplamente: através dos impostos e através das mensalidades do colégio).

Com este entendimento, vejo, por isso, a rede do serviço público de educação como toda a oferta de ensino disponível num determinado local (concelho, região, país - dependendo do grau de descentralização), independentemente da natureza jurídica do prestador: público, privado ou cooperativo. A essa rede, a toda ela, os alunos devem poder aceder de acordo com critérios de selecção universais e privilegiando o princípio da liberdade de escolha.

Porém, para este modelo funcionar, efectivamente, o sistema de financiamento da "rede" teria que ser absolutamente distinto daquele que conhecemos (financiamento directo das escolas). Mais do que financiar escolas, calculando o custo por aluno, entendo que o Estado deveria financiar directamente as famílias. É o célebre modelo do "cheque-ensino", aplicado com considerável sucesso da Suécia, no início dos anos 90.

Neste modelo, todas as famílias recebem, por igual, o valor equivalente ao que o aluno custaria ao Estado, tendo depois a liberdade de escolher entre a escola pública ou a escola privada ou cooperativa. Tal sistema é justo, equitativo e assegura uma verdadeira liberdade de escolha. Para além disso, incentiva a boa gestão das escolas e maior autonomia face ao ME. E, se acreditarmos no exemplo Sueco, levará a uma melhoria substancial do serviço prestado e da qualidade das escolas (que passarão a concorrer todas entre si).

Este é um modelo que pelo menos me parece merecer discussão. Infelizmente a ideia do cheque-ensino saiu do discurso político e agora a discutimos propinas.

terça-feira, novembro 27, 2012

Sobre o Orçamento

O Orçamento hoje aprovado é mau essencialmente porque desaproveita a oportunidade para "refundar o Estado". E isso é que é pena. Porque as oportunidades perdidas raramente têm remédio. That's it.

quarta-feira, novembro 21, 2012

An then there was none*

As atenções dos mercados centram-se agora em França e na sua capacidade de se reformar e de vencer a crise, que também por lá está a ser dura e de difícil combate (já se viu que não será com a mão cheia de ilusões oferecida por Hollande que lá vamos). Depois de 3 longos anos a centrar (deveria antes escrever "a tentar circunscrever") o problema na periferia da zona Euro (e a dar-lhe acrónimos engraçados, como "os PIGS") e depois de andarmos, literalmente, a atirar legislação para cima do problema da estrutura e da governação da eurozona, começamos, agora, dolorosamente, a chegar ao "centro". França não é um Estado periférico. Não é uma economia frágil. França é "euro-core" e quando o problema chega aqui, não é dificil calcular que não faltará muito para o "contágio" atingir toda a zona Euro, Alemanha incluída. E quando aí chegarmos, o que restará?

Na procura de uma resposta, dei por mim, hoje de manhã, a pensar no livro ao qual roubei o título do post, e na lenga-lenga que lhe esteve na origem: "One little Soldier Boy left all alone; He went out and hanged himself and then there were none".



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* Título roubado a um livro de Agatha Christie.


There is no such thing as public money*


Hoje o DN e o JN publicam uma entrevista a Abebe Selassie, chefe de missão do FMI. Vale a pena ir ler e reflectir sobre o que é dito. E, já agora, perceber, de uma vez para sempre, que o dinheiro público ou bem que é dinheiro dos contribuintes ou bem que é dívida pública (que os contribuintes irão pagar com juros). Depois de comprender esse conceito simples, talvez então possamos começar a discutir que Estado queremos e que prestações estamos, efectivamente, dispostos a pagar. Porque, meus caros, no fim do dia não há almoços grátis. Muito menos quando "oferecidos" pelo Estado!




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sexta-feira, novembro 16, 2012

A dívida

Hoje o Eurodeputado Rui Tavares dá uma interessante entrevista ao Jornal de Negócios (infelizmente não é possível lê-la, integralmente, no site) na qual fala sobre a Europa (o que só por si é de louvar, já que muita falta faz mais discussão europeia) sobre o projecto europeu e sobre os desafios futuros.

Entre várias verdades e algumas considerações ideológicas, Rui Tavares avança com a ideia de que há uma "nova cortina de ferro na Europa", aquela que divide a Europa endividada e a Europa do crescimento. Sendo que a Europa do crescimento, e usando as palavras do entrevistador, é o Norte "protestante, poupado e produtivo", e a Europa endividada, o Sul "presuntivamente negligente, gastador e improdutivo".

Pois bem, é verdade que hoje há, de facto, dentro da Europa e dentro da zona Euro, aqueles que estão endividados e aqueles que estão a ajudar esses a pagar as contas. Daí nascem as tensões e as derivas nacionalistas (basta atentar ao que se passou na Finlândia). De forma pouco rigorosa, podemos falar do Norte que é trabalhador e do Sul que é gastador. A velhinha estória da cigarra e da formiga, sendo que a cigarra tem sol e bom vinho e a formiga tem indústrias e serviços. E, na verdade, se olharmos para os países com "piores números", estes são maioritariamente os países do Sul - Grécia, Espanha, Itália e Portugal. Mas, depois, há a Bélgica (!) que parece padecer de todos os vícios habitualmente apontados aos seus parceiros do Sul: fortemente endividada, com crescimento económico perto da estagnação  e taxas de desemprego altas.

Por isso mesmo, não é com tanta ligeireza que se pode traçar a linha entre Norte e Sul. Se, de facto, formos rigorosos, e olharmos para as Previsões de Outono da Comissão Europeia, veremos que, neste momento, apenas 4 Estados na zona Euro não estão sujeitos a um procedimento do défice excessivo. São eles a Estónia, o Luxemburgo, a Finlândia e a Alemanha. Até a Holanda, sempre tão crítica e tão vocal a propósito das falhas alheias está a braços com um défice de 3,7% e uma dívida que chegará aos 70% do PIB em 2014. É dramático? Claro que não! Dramático seria ter um défice, em 2012, de 6,2% e uma dívida que, em 2014, chegará aos 95,1% do PIB, como é o caso do anglicano, poupado e produtivo Reino Unido.

Quer isto dizer que a Europa está toda ela "sulidificada" e que os maus hábitos dos Estados do Sul se alastraram, qual peste medieval, pela Europa "civilizada"? Talvez. E talvez aqui esteja, efectivamente, a falha do sistema que foi construído. (Rui Tavares fala, e bem, da burocracia e da máquina infernal que é a UE). Um sistema que já se viu não serve os Estados e não serve os Europeus, porque cria regras que ninguém cumpre e não prevê medidas para situações excepcionais (o que ao longo de três dolorosos anos tem sido a história da Grécia é paradigmático). Um sistema que assentou, de facto, na criação de dívida para financiar as economias periféricas e para criar, de forma que hoje se percebe fictícia, um equilíbrio no mercado interno.

E é, precisamente, essa trajectória de endividamento que tem que ser travada. A Europa, sem deixar de ser solidária - longe de mim advogar que se deixe cair a Grécia - tem que pôr termo à espiral de dívida em que caiu. Basta olhar para os números das Previsões de Outono para perceber que o actual nível de endividamento é insustentável. Em 2014, e fazendo fé nos números da Comissão, apenas 4 Estados terão uma dívida inferior a 60% do PIB - Estónia, Luxemburgo, Eslováquia e Finlândia - e 6 Estados estarão para lá do limite dos 100% (Portugal será um deles).Ora, não é preciso ser um génio das finanças públicas para perceber que 100% do PIB em dívida é impossível de gerir. Não é de espantar, por isso, que os Estados estejam estrangulados e as economias em recessão. Porque a verdade mais dura é que estão, tecnicamente, falidos.

E não são as Eurobonds a solução milagrosa para este estado de coisas. Pôr em comum o mal de todos, não torna o mal menos "mau"! A solução, de facto só pode ser uma e passa pela responsabilização e a redimensionação dos gastos dos Estados. E isso, por mais que nos custe, implica austeridade e ter que passar a viver com menos. Porque o mais que cobre o que nos falta em receita, é dívida. E dessa estamos nós cheios!

quinta-feira, novembro 15, 2012

Sala de pânico

Já por diversas vezes ele se tinha questionado sobre a segurança daquele edifício. Sabia bem que qualquer um ali podia entrar e fazer o que bem lhe apetecesse. Por várias vezes imaginara que, naqueles longos corredores cinzentos, se passassem as mais fantasiosas estórias, a coberto da noite. Mas, mesmo com uma imaginação como a sua, capaz de conceber o que muitos consideravam impossível, nada o poderia ter preparado para o que encontrara, naquela manhã, ao entrar no seu gabinete. De repente, todos os policiais que lera ganhavam vida à sua frente. Mas nem mesmo a leitura compulsiva de romances de mistério o poderia deixar menos perturbado perante aquilo que agora testemunhava. De repente, talvez fosse a isso que se chama estado de choque, ele era incapaz de reagir. Estava preso ao chão, incapaz de se mexer. Incapaz de pensar o que deveria fazer. Se ele fosse a personagem de um qualquer livro policial, mesmo daqueles mais manhosos, saberia, exactamente, o que fazer e como agir naquelas circunstâncias. Seria o homem providencial e iniciaria, de imediato, a sua própria investigação. Com sorte, aquele seria o início de uma bem sucedida saga, da qual ele seria o herói inesperado, catapultado para a celebridade mundial. Mas ele não era a personagem de um livro. Ele era apenas um homem comum que acabara de chegar ao seu gabinete e que apenas queria sentar-se, com o seu café, e calmamente iniciar o computador e preparar-se para mais um monótono dia de trabalho. Até àquele dia tudo na sua vida fora, rotineiramente, monótono e previsível. E nada, absolutamente nada, nem a sua imaginação delirante, o podia ter preparado para o que tinha, naquele momento, à sua frente.



textos inéditos, por BSC

quarta-feira, novembro 14, 2012

Sobre Bruxelas

Depois de 3 anos a viver em Bruxelas, é giro encontrar isto e isto: as minhas primeiras impressões da primeira viagem a Bruxelas, em 2005.

Então, fiquei apenas uma semana e estava longe (tão longe) de imaginar que um dia Bruxelas seria o lugar onde eu iria viver. Porém, a verdade é que a vida dá voltas e mais voltas e eis que em 2009 troquei Lisboa por Bruxelas. E, tirando os dias em que me apetece atirar todo e qualquer belga pela janela, não me arrependo. Claro que ainda me queixo do frio. Claro que ainda me irrito com o cheiro a gauffres e a batatas fritas. Claro que ainda grito de cada vez que um táxi não me aparece à hora marcada. Claro que ainda insulto a neve (sim, há coisas perfeitamente irracionais na vida de uma rapariga). Claro que que ainda grito de cada vez que um serviço que era suposto funcionar e ser eficiente, não é. Claro que falar mal de Bruxelas ainda é um dos meus temas preferidos nos dias de humor cinzento escuro.

Mas, malgrè tout, a verdade é que ao fim de três anos estou pacificada com a minha escolha. Descobri umas tantas coisas de que gosto e aprendi a aceitar outras tantas como fazendo parte desta experiência única que é a "desolândia".

E, talvez seja mesmo esse o segredo de Bruxelas. Ir conquistando, devagarinho, para lá da irritação imediata com o trânsito, com o caos, com a desorganização e com a falta de carácter próprio. Como escrevi noutra ocasião, a ausência de expectativa (todos dizem que Bruxelas é desengraçada, cinzenta, apática e sem alma), acaba por ser a grande mais valia desta cidade. Porque, cada recanto engraçado, cada parque verde, cada praceta animada e cada bairro com alma própria acaba por se tornar apaixonante por si só, na sua simplicidade e na sua quase resignação.

Esta não é uma carta de amor a Bruxelas. Porventura, Bruxelas nunca será um amor. Sequer uma paixão. Mas, curiosamente, é no exacto momento em que as rodas do avião tocam o chão em Zaventem e sentimos aquela estranha emoção de ter chegado a casa, que percebemos que Bruxelas já não é indiferente. E porventura, nunca mais voltará a ser. Que mais não seja porque estará, para sempre, cheia das minhas memórias.

terça-feira, novembro 13, 2012

A Rainha

Em ano de Jubileu, nada como ir repescar um post antigo. Na íntegra, tal como foi publicado em Fevereiro de 2009.




Elizabeth Alexandra Mary é Rainha há 57 anos. Não será um ícone pop nem faz parte da cultura imediatista, fútil e fácil que venera a fragilidade e vulnerabilidade de "princesas" que percebem pouco do seu ofício. A Rainha Isabel II é, de facto, uma RAINHA. Só isso. E aí reside a sua imensa grandeza.

Long live the Queen!

domingo, novembro 11, 2012

Gostar de homens


Um mestre do teatro. Um senhor do cinema. Um homem fascinante. Ler a biografia de Burton é entrar numa montanha russa de emoções e de contradições. Burton não é apenas um intérprete das palavras dos outros. É o homem rude que tinha a cultura de um académico. É o mineiro que falava como um rei. É o alcoólico que transformava qualquer texto numa experiência absoluta de dramatização. É o mulherengo que morreu a querer voltar para a mulher com quem partilhou uma das mais fascinantes histórias de amor do século XX. Um homem de contradições e de extremos. Nunca viveu a vida de forma leve e esta também não lhe foi suave. Mas também não foi nunca indiferente à vida e, talvez por isso, deixou uma marca na cultura, no cinema e no teatro. Viveu intensamente e morreu de forma prematura, aos 59 anos. 

Richard Burton será sempre mais do que um actor. Era um curioso da vida, do mundo e das pessoas. Um eterno estudioso do ser humano (talvez por isso mesmo tão brilhante como actor) e das suas obras. A sua vastíssima biblioteca é a maior prova da sua ávida ânsia por cultura e era o seu grande orgulho (é famosa a frase "home is where the books are") Acalentava o sonho de um dia ser professor numa universidade e, durante um semestre, em 1970, ensinou Poesia em Oxford (ainda que ele próprio não tivesse qualquer grau académico!). Sonhava, também, ser escritor e os seus diários seriam a base das memórias que não chegou a escrever. Ficam os seus filmes e as suas peças de teatro. As suas cartas e toda a mística em torno de um dos homens mais fascinantes do século XX. Impossível não admirar homens assim.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Land of the free

Nada pior que investir muito num filme que esperamos ser uma sequela e depois verificar que, afinal, é apenas uma reposição.

terça-feira, novembro 06, 2012

Les uns et les autres

Ela entrou na sala e viu-o. Ele estava rodeado de gente, mas foi apenas nele que ela reparou. Tentou parecer segura e distante. Afinal, estava ali para se encontrar com os seus amigos e não para o ver a ele. Porém, passados poucos minutos, depois de pedir a sua bebida e sentar-se, confortavelmente, num cadeirão, era já impossível ignorar o magnetismo que a puxava para ele. Estava rodeada de gente, mas só ele interessava. Discutiram e debateram ideias. Levantaram a voz e riram. Conversaram várias horas, indiferentes ao relógio e aos outros. Já não eram dois estranhos, mas parceiros de um diálogo improvável. E, naquele momento, só isso importava. Não havia passado - no qual ainda não se conheciam - nem havia futuro - no qual ela não sabia o que poderia acontecer. Apenas aquele presente tão particular, com o ruído de outras conversas e com cheiro a cigarros. Ela, porém, lutava para se manter tão distante e indiferente como antes. Despediu-se, desculpando-se com o facto de ter que acordar cedo, e tentou arrumá-lo no fundo dos seus pensamentos. Estaria apaixonada? Não! Era impossível. Ridículo até... ninguém se apaixona por um homem que mal conhece. Ninguém se apaixona ao fim de uma conversa... Ninguém, muito menos ela, sempre tão avessa a qualquer sentimento e a qualquer dependência emocional. Não! Depois de mais este acaso do destino, provavelmente, não voltaria a vê-lo. Seria, até, melhor assim, obrigou-se a pensar enquanto se afastava. Porém, ao chegar à rua, naquela noite fria, de fim de inverno, ela levava a secreta esperança de voltar a encontrá-lo, num qualquer outro momento improvável. Naquela noite fria, de fim de inverno, embora muito longe de o saber, ela estava, já, apaixonada por ele.

textos inéditos, por BSC

segunda-feira, novembro 05, 2012

Penitência


Se o arrependimento matasse, pois que eu não estaria em muito boas condições no preciso momento em que escrevo estas linhas.

E porquê? Por isto. Tal texto não apenas é motivo de vergonha e de penitência como quase justificaria a aplicação de castigos corporais (pelo próprio MI6).

Daniel Craig está absoluto neste novíssimo 007. Se começou bem em Casino Royale, a verdade é que tem ganho personalidade e profundidade como James Bond. Está à vontade e não teme comparações: este é o seu Bond. E neste Skyfall não apenas nos faz reencontrar o charme dos espiões de outrora (não apenas evoca, como oblitera Sean Connery - lamento muito, mas é a minha verdade) como é um duro, dos duros a sério. E depois, fica fabuloso no guarda-roupa desenhado (pelo também absoluto) Tom Ford, embora os seus fatos de corte impecável também se amarrotem e se rasguem, como seria, aliás pouco plausível que não acontecesse.

Mas, para além de tudo isso (que já é bastante), o que mais me fascinou em Skyfall é a impecável mistura que Sam Mendes (também absoluto) faz entre o novo e o antigo. O reencontro que ele promove com o passado do mais famoso agente secreto do Reino Unido. E não me refiro apenas ao mítico Aston Martin. Refiro-me a todos os pequenos detalhes do filme que me fizeram sair do cinema com a estranha sensação que, depois de vários anos errante, Bond voltara a casa.

Gostei. É que gostei mesmo!

quinta-feira, novembro 01, 2012

Liberdade

"Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.

O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
"

Fernando Pessoa



Falando em poemas e em democracia, como deixar passar ao lado este magnífico hino libertário?

Na adolescência, quando o li pela primeira vez, adorei a noção de "não cumprir um dever". Achei-a profundamente tentadora - libertadora. Depois, com a idade e com a responsabilidade com que acabamos por ter que enfrentar a vida de adultos, vem a anulação do querer face ao dever. Queremos comer um gelado, mas não devemos, porque engorda. Queremos ir ao cinema, mas não devemos porque amanhã temos que acordar cedo. Queremos ficar à conversa a noite inteira, mas não devemos porque temos um prazo para cumprir. Queremos comprar "aquelas" botas, mas não devemos porque são caras. Tanta coisa que queremos, mas que não devemos. E isso faz parte de ser "adulto". Só as crianças confundem querer com dever (e com poder) e por isso fazem birras - porque acham que basta querer e que só por querer se pode e se deve ter. No fundo, ser criança é ser um libertário. E só as crianças podem ser completamente libertárias, porque a responsabilidade é-lhes exógena - está nos os pais, nos professores, nos adultos em geral.

Mas ser adulto, ensinam-nos, não é isso. Ser adulto é fazer escolhas e muitas vezes sacrificar o querer no altar do dever. Faz parte do "pacote" e aprendemos que ser livre é algo muito diferente de fazer tudo aquilo que queremos porque com a liberdade (querer) vem sempre a responsabilidade (dever) e é no eterno balanço entre ambas que temos que viver.

E é exactamente por vivermos no choque permanente entre o nosso querer e o nosso dever, que é bom (e libertador) não o cumprir, de vez em quando. São pequenas indulgências que nos concedemos. Infantilidades, talvez, pelas quais depois seremos inteiramente responsáveis. E, também, só por isso é que vale a pena.

Anatomia da Democracia


Pelos vistos, em Portugal, a "luta pela democracia" faz-se de mamas e rabos.

São gostos. 

Pessoalmente, preferia quando era feita com canções e com poemas. Assim como assim, salvaguardava-se o lado estético. Chamem-me "lírica", vá!

quarta-feira, outubro 31, 2012

Leituras




Aqui há uns anos descobri Stieg Larsson. Por acaso. Ninguém mo tinha recomendado,  mas mesmo assim arrisquei, apesar de uma capa pouco feliz (que remetia para aqueles romances de vampiros que, de repente, encheram todas as estantes) e de um título algo duvidoso: “Os homens que odeiam as mulheres” (na versão portuguesa). 

Li o primeiro de rajada e não descansei enquanto não acabei os outros dois. Com uma brutal falta de humanidade (que toca o egoísmo), lamentei a morte prematura de Larson não por ele ter morrido, mas pelos livros que ficaram por escrever. Queria ler mais, todos aqueles que iriam compor uma obra de 10 histórias sobre o super Blomkvist e a anti-heroína mais bem conseguida da literatura policial, a Lisbeth Salander.

Para colmatar a falha dos livros que ficaram por escrever, devorei os filmes. Primeiro a trilogia original sueca (e confesso que não esperava filmes ao nível do que encontrei) e depois esperei com ansiedade crescente o lançamento do primeiro dos  filmes da trilogia made in Hollywood. Não desapontou, antes pelo contrário.

Agora, que não há data para o lançamento do segundo filme da trilogia Millennium, arrisquei uma outra autora sueca: Camilla Lackberg. A expectativa era alta (já que ela é apelidada da nova Agatha Christie – e para mim Christie será sempre a autora que me fez gostar de ler “livros de gente crescida”) e a tentação de a comparar a Larson era (quase) irresistível. E talvez sejam mesmos as comparações que tramam Lackberg. Nem é Christie, nem é Larson. Ao terminar o seu primeiro livro, “The Ice Princess” (na tradução inglesa), não posso considerar que seja genial. É uma autora competente e o livro é interessante, mas, na minha opinião, perde-se demasiado em histórias paralelas sem explicar, devidamente, a trama principal. E claro, Patrik e Erica não são o Poirot nem a Miss Marple. Não são, sequer, o super Blomkvist e a Lisbeth. Mas, como tira teimas, e porque adoro policiais, já chegaram hoje os três seguintes. E, quem sabe, não vou descobrir que os autores também crescem (nem que seja para nós).

sábado, outubro 27, 2012

mergulho

Leva-me contigo a ver o mar. Uma e outra vez. De mãos entrelaçadas, sem pressa... porque o mar, tal como o tempo, espera.




sexta-feira, outubro 26, 2012

Todas as cartas de amor são ridículas



“Maria Elena used to say that only unfulfilled love can be romantic” (roubado ao Vicky Cristina Barcelona)

Esta é uma doutrina. A “doutrina Maria Elena”, se quiserem. A mesma Maria Elena que tanto tem de louca, como de genial e que junta ambas as coisas numa explosão temperamental com sotaque latino, naquele filme que, sendo de Woody Allen, traz consigo as cores de Almodovar.

Repetidas vezes dei comigo a pensar nesta doutrina. Mesmo antes de a ouvir da boca incrédula de Juan Antonio, muitas vezes tinha eu própria andado a divagar por estes mesmos caminhos: só os amores impossíveis teriam aquele “q” que os tornaria infinitamente românticos. Talvez porque me recordasse de Carlos e Maria Eduarda. Talvez porque carregasse comigo a trágica memória histórica de Romeu e Julieta. Talvez porque nenhuma das histórias que a Disney me contou me tenha feito, realmente, sentir diferente. Talvez porque esta fosse, afinal, uma história mais fácil.

E durante anos acreditei nesta doutrina. Vivi esta doutrina. Durante anos, senti todo o fascínio e toda a absoluta mística romântica das histórias impossíveis. Pareciam histórias feitas para grandes livros, épicos. Histórias fabulosas do amor que não cede perante a impossibilidade. Muito melhor do que o “e viveram felizes para sempre”, era o peso histórico, cultural e moral do amor que resiste, romântico, à sua própria não concretização. Isso sim seria a derradeira prova de amor. Que tamanha ilusão!

Talvez demore tempo para perceber racionalmente, mais ainda para sentir lá bem fundo, naquele sítio onde não há palavras, nem pensamentos. Mas um dia, com sorte, chegamos lá: só o amor possível é real. Só o amor vivido é, de facto, romântico. Porque o amor é mais do que uma ideia ou de que um conceito. O amor é um mistério insondável. Não se explica. Acontece. Sente-se. Vive-se. E concretiza-se nas mais variadas formas, e são os gestos mais simples de partilha (de amor) que o tornam real. Um sorriso. Um abraço. Umas flores. Um beijo. Uma carta. Uma música. Um filme. Todos os momentos partilhados que constroem uma história a dois e que valem, cada um deles, infinitamente mais do que todas as impossibilidades do mundo, por mais extraordinariamente românticas que sejam (ou que assim tenham sido escritas por autores talentosíssimos).

Só esse amor que sai da esfera das impossibilidades e se torna real em nós e transforma a nossa vida, só esse amor é que enche o coração e aconchega a alma. Só esse amor tem, de facto, o poder de transformar o que antes era deserto, num campo de flores. Só esse amor tem a capacidade de criar laços onde antes não havia nada, de criar sonhos onde antes apenas havia incertezas, de criar esperanças onde antes só havia medo. Só esse amor, porque é real e é possível, é, afinal, o que de mais romântico algum dia poderemos experimentar.

Se o impossível vive da projecção da sua eventual possibilidade no futuro; o possível é possível agora, hoje, no presente. E por isso vale a pena. Por isso será sempre infinitas vezes melhor. Infinitas vezes maior. Infinitas vezes mais real. Infinitas vezes mais romântico. Porque, na verdade, depois de todo o ruído à nossa volta se calar, só o amor é real. E só o amor que é possível, é, de facto, romântico. É, de facto, Amor.